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Pré-natal e puerpério: desafios do próximo governo

O que esperar do próximo governo? Vini Campos estreia a coluna Filhos de Todas, com apoio do Instituto Mpumalanga. Vamos falar de políticas públicas?

Vini Campos* Publicado em 31/03/2022, às 06h00

O que esperar do futuro da infância? - Foto: arquivo pessoal da colunista Tatiane Santos
O que esperar do futuro da infância? - Foto: arquivo pessoal da colunista Tatiane Santos
Parceria Institucional:
Instituto MPumalanga

"Eu vi a mulher preparando outra pessoa O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga" Caetano Veloso

Democracia

Desde pequeno a política foi uma paixão. Gostava de ir à sauna com meu pai no clube de campo, me sentar com a velharada pelada, e falar sobre política. Tinha discussões profundas e fazia planos audazes: um dia seria presidente do clube.

Esse amor me acompanhou também na adolescência. Parava o que estava fazendo para assistir aos programas eleitorais e conhecer as propostas dos candidatos. Até mesmo no dia que só apareciam vereadores dizendo qualquer bobagem. Assistia a todos, cantava os jingles, me interessava até mesmo pela tipografia dos logos. Lembro até hoje a ansiedade do primeiro voto e as eternas discussões políticas nos bares perto da faculdade. 

Assista ao Papo de Mãe sobre os direitos das crianças

Este ano, decidi participar mais de perto e tentar, de alguma forma, contribuir com o processo eleitoral do meu país. No começo não sabia como, porém estava convencido de que queria colocar o foco na primeira infância, a etapa mais importante do desenvolvimento humano, e que raras vezes aparece nas campanhas políticas.

Conversei com o Instituto Mpumalanga, que desenvolve um trabalho potente relacionado à arte na educação, e com o site Papo de mãe, que há anos se dedica à informação sobre infância. E nos unimos para fazer um retrato atual da primeira infância brasileira e estarmos preparados para ler os programas de governo das candidatas e candidatos e identificar quais propostas vão de encontro às necessidades dos nossos filhos, dos filhos de todas.

Neste novo espaço não tem certo nem errado, direita ou esquerda. A ideia é reunir pais e mães, educadores e artistas, formadores de opinião e eleitores, e especialistas que trabalham para as infâncias, e entender a situação real de nossas crianças e pensar alternativas e propostas para suas necessidades.

Nossas infâncias

Em 2021, nasceram no Brasil mais de duas milhões e seiscentas mil crianças. Nem todas receberam os cuidados que a medicina e a ciência afirmam serem indispensáveis para que elas cresçam saudáveis e se desenvolvam em todo seu potencial. 

A constituição brasileira diz que é dever do Estado e da sociedade garantir que nossas crianças cresçam num ambiente saudável, que cumpra com suas necessidades básicas. Porém ainda está longe de ser a realidade de todas as crianças do nosso país.

"Quando falamos de pré natal, os números totais de acesso no Brasil são bons, porém quando olhamos para as minorias, nossa situação ainda é alarmante - diz Cristina Albuquerque, coordenadora da unidade de HIV do UNICEF.

O que ela explica, no bate papo que tivemos semana passada, é que enquanto em São Paulo, ainda morrem 4 crianças a cada mil que nascem (mortes evitáveis, ou seja, aquelas que poderiam ser evitadas com alimentação, vacinas, ou outros cuidados básicos) esse número no Norte ou Nordeste do Brasil chega a 16 cada mil. Número altíssimo quando comparado aos índices de países desenvolvidos.

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Segundo o Ministério da Saúde, a mortalidade infantil vem caindo no Brasil desde 1990. Na década de noventa, o índice era de 47,1 crianças a cada mil nascidos. Em 2015 chegamos a 13 a cada mil nascidos, uma grande evolução, o problema é que, desde então, a taxa estacionou e não houve melhoras.

Mas as crianças, principalmente nessa etapa da vida humana, não podem ser o nosso único foco de atenção. Tão importante quanto a saúde do pequeno é a saúde da mãe e do pai. Não há dúvidas, mães fortalecidas são sinônimo de filhos saudáveis. A Dra Giuliane Jesus Lajos, ginecologista e professora da Unicamp, que também participou da nossa conversa, fez questão de frisar que não se trata só da questão da saúde biológica, "mas a saúde emocional desta mulher que está atravessando um período delicado e, muitas vezes, não encontra um entorno capaz de lhe propiciar o acolhimento que ela precisa."

A doutora ainda falou sobre o conceito da gravidez de quatro trimestres, afinal, nos primeiros três meses depois do parto, essa mulher, mais do que nunca, precisa ser acolhida e acompanhada para que encontre forças para cuidar de seu bebê. 

Assista à entrevista de Vini Campos com Eloisa Souza, Cristina Albuquerque e Giuliane Lajos

Onde está a falha?

A doutora Cristina, do Unicef, explicou que o número de consultas no pré-natal deve ser de sete ou mais consultas durante toda a gravidez e que esse número é respeitado na maioria dos casos. "Mais de 70% das mulheres brasileiras fazem o pré-natal de forma regular, porém a qualidade do atendimento ainda não é a esperada".

Cristina chamou a atenção para um indicador que exemplifica bem o problema : a Sífilis Congênita. Por falta de preparo da equipe médica, e/ou falta de informação da futura mãe, muitas vezes o tratamento indicado não é colocado em prática e as crianças acabam nascendo com a doença. Segundo a doutora, muitas vezes a mulher faz o tratamento à base de penicilina, toma todas as injeções, mas o parceiro não aceita ser tratado e acaba contaminando a mulher novamente. Ou, ela mesma começa o tratamento, mas o abandona por medo de afetar o bebê ou por acreditar que já está curada. 

Ou seja, já sabemos como combater a sífilis, temos o medicamento correto, o procedimento adequado, porém ela continua afetando a população.

"Falta educação", reafirmou Giuliane Jesus Lajos.

Conforme a pesquisa da SBD (Sociedade brasileira de dermatologia), de 2010 a 2020, 357,1 mil mulheres foram diagnosticadas com sífilis adquirida durante a gravidez, a maioria delas na faixa etária de 20 a 29 anos (53% dos casos). Em seguida, estavam pacientes de 15 a 19 anos (25%) e de 30 a 39 anos (19%). A maior parte das infectadas tinha baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo. 

Puerpério

Depois do nascimento vem um momento mais que importante para o bebê e para a mamãe: as primeiras seis semanas depois do parto. A doutora Eloísa Corrêa de Souza, chefe da Área de Pediatria do Hospital Universitário da USP, me contou que para um bom puerpério, a criança precisa do contato próximo com a mãe, de ser amamentada e de viver num espaço de amor e tranquilidade. O estresse, a violência e a desnutrição são muito prejudiciais para a saúde dessa criança e serão determinantes em seu desenvolvimento.

Depois do nascimento, o que mãe e filho precisam é de tranquilidade e acolhimento. É o momento da amamentação, do primeiro contato, das carícias, das pequenas brincadeiras, do dormir, do ninar. 

Parece simples o que ela propõe. É aquilo que minha mãe e minha avó fizeram com seus filhos, sem luxo, sem modismos, só instinto e bom senso. Mas para famílias que perderam a renda, que estão vivendo sob estresse, ou em situação de violência, que não conseguem fazer as três refeições do dia, garantir o puerpério ideal, por mais simples que pareça, se torna, por vezes, impossível.

O aumento da fome no país trouxe de volta ao mapa a desnutrição aguda que afeta totalmente o desenvolvimento do bebê e sua capacidade cognitiva. É evidente que, para muitos dos problemas que afetam as crianças, não existe uma solução possível pensando só no bebê. O que resolve é proteger e cuidar da família como um todo. Emprego, comida, moradia, ou seja, o Estado precisa garantir as necessidades básicas à sua população se deseja ter crianças saudáveis.

A solução

Durante nossa conversa, as três profissionais ressaltaram, mais de uma vez, a importância da educação para proteger os nossos bebês. Elas não falaram sobre investimento ou verba na área da saúde, parece que isso está "ok"; elas tampouco falaram em alteração de leis - segundo elas nossas leis de proteção do menor são boas - elas não cogitaram nem mesmo novas práticas médicas. As três doutoras bateram na tecla da educação. 

Educação para o profissional de saúde, para que ele esteja capacitado para realizar um bom pré-natal. E educação para as futuras mães e pais para que entendam o tratamento e possam colocá-lo em prática.

No final do nosso debate fiquei pensando.

Seria uma questão do ministério da Saúde que precisa fazer campanhas educando a população? Ou será um trabalho do ministério da Educação?

Acho que o espaço ideal para educar nossas futuras mães e pais é nas escolas. Precisamos de uma boa educação sexual para nossas crianças e adolescentes em todas as escolas do país. 

Ora, se nossos adolescentes aprenderem sobre doenças sexualmente transmissíveis, sobre cuidados com o próprio corpo, sobre tratamentos médicos, certamente, na hora que se tornarem pais, terão a informação necessária para lidar com os desafios de proteger seu bebê.

Fiz uma pesquisa para saber como está a situação da educação sexual nas nossas escolas, e para a minha surpresa e indignação, encontrei uma especialista, a psicóloga e doutora em educação pela UNESP, Mary Neide Figueiró, dizendo acreditar que "menos de 20% das escolas públicas do nosso país têm educação sexual em sua grade curricular".

Dois dados chamativos: 

Menos de 20% é baixíssimo!

E o segundo é que não há dados oficiais da presença da educação sexual nas escolas. Inclusive nem é uma matéria que aparece nas diretrizes do MEC. O atual ministério diz que a educação sexual é responsabilidade dos Estados e Municípios.

É triste constatar que alguns setores da nossa sociedade ainda tratam sexo como tabu e que com esse proceder hipócrita contribuem para que bebês e mães tenham mortes banais, totalmente evitáveis. 

Como pensar numa sociedade justa se a informação não é para todos?

Como pensar numa sociedade igualitária se nem todas as crianças têm as condições ideais para seu desenvolvimento garantidas?

Se queremos reverter essa situação precisamos, em outubro, escolher candidatas e candidatos que tenham propostas para dar emprego, moradia, comida e saúde às famílias, e também que se comprometam a educar os jovens de forma integral, falando sobre sexo e sobre saúde sexual nas escolas.

É papel do Estado, mas não apenas do Estado. A constituição é clara: cuidar das nossas crianças é dever de todos.

Ou seja, empresários também podem pensar em melhores condições para suas funcionárias grávidas, e que elas e seus parceiros tenham as ferramentas ideais para proteger seus bebês.

A sociedade civil, eu e você, podemos ser mais sensíveis às necessidades de quem trabalha pra gente. Como acompanhar nossa faxineira, por exemplo, durante a gravidez? Como cobrar para que o condomínio onde vivemos esteja atento para as necessidades das futuras mamães e papais que ali trabalham?

Devemos estar unidos e atentos. É trabalho de todos nós proteger os pequenos. Por isso, coloque aqui suas ideias, comente, compartilhe o texto. Juntos somos mais fortes e podemos contribuir para que as coisas sejam diferentes. 

Te espero mês que vem para falar sobre a alimentação na primeira infância. São dois desafios enormes: dar comida para quem não tem e pensar na qualidade do alimento que nossas crianças estão consumindo.

Até a próxima e não deixe de assistir ao bate-papo delicioso e muito interessante com as profissionais citadas nesta matéria. 

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Vini Campos



*Vini Campos é ator, jornalista de formação e escritor de coração. Pai de três adolescentes, está cursando a pós-graduação "Pedagogias das Infâncias" na Universidade de Caxias do Sul e há três anos é colunista do Papo de Mãe. Esta coluna tem o apoio institucional do Instituto Mpumalanga

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