Papo de Mãe
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E depois? A volta da licença-maternidade durante a pandemia

Solidão, incertezas e pandemia: tudo o que pode estar envolvido em uma volta ao trabalho e como as mães estão se equilibrando entre esses pesos

Carolina Novaes* Publicado em 11/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h14

Camila é  biomédica e mãe do Daniel, de 5 meses. Ela fala sobre o processo de volta para o trabalho. - (Foto: Arquivo Pessoal - Reprodução Papo de Mãe)
Camila é biomédica e mãe do Daniel, de 5 meses. Ela fala sobre o processo de volta para o trabalho. - (Foto: Arquivo Pessoal - Reprodução Papo de Mãe)

Que a pandemia de Covid-19 mudou a forma como nos relacionamos não é novidade, mas por trás dessas já aprendidas lições, existem ritos que precisam ser reformulados e repensados, como a volta ao trabalho e o fim da licença- maternidade.

A volta ao trabalho representa, na maioria das vezes, um rompimento físico entre o bebê e sua mãe, em um período em  que a criança ainda precisa de cuidados mais atentos e de amamentação. 

Sobre a amamentação, a mulher lactante possui o direito assegurado pela lei 8112/90, artigo 209, que diz:  “Para amamentar o próprio filho até a idade de seis meses, a servidora lactante terá direito, durante a jornada de trabalho, a uma hora de descanso, que poderá ser parcelada em dois períodos de meia hora”.

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É importante salientar esses direitos quando falamos de mitos que rondam esse assunto e números tão altos de demissão após a licença-maternidade. Segundo a pesquisa da FGV “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, cerca de metade das 247 mil mulheres que participaram da pesquisa estavam fora do mercado de trabalho 12 meses depois de terem dado à luz. 

Diretos da licença-maternidade

Para elucidar possíveis dúvidas sobre o assunto, o Papo de Mãe conversou com Marina Ruzzi, advogada especialista em direito das mulheres.

Marina Ruzzi, advogada
Marina Ruzzi, advogada

Qual a exigência para se ter acesso a licença maternidade? 

Marina Ruzzi: Podem ter acesso mulheres celetistas, ou seja, aquelas que têm carteira assinada ou MEI ‘s (Microempreendedoras individuais) que estejam contribuindo para o INSS por pelo menos 10 meses. A licença- maternidade prevista é de 120 dias, que podem ser prorrogados por mais 60 dias caso a empresa do empregado participe de um programa do Governo Federal que se chama Empresa Cidadã.

O que não pode acontecer durante esse período?

Marina Ruzzi: Até cinco meses após o parto, a mulher tem o que chamam de “estabilidade”, ou seja, ela não pode ser demitida, apenas em casos de justa causa.

Em caso de adoção, existe a possibilidade de uma licença-maternidade?

Marina Ruzzi: Sim, em casos de adoção ou guarda judicial para fins de adoção,  a mulher tem direito a licença- maternidade nos mesmos termos. 

O direito à licença-maternidade é respeitado no país? 

Marina Ruzzi: Sim, é um direito que funciona bem, mas a questão é quem tem direito a ele. A gente vive em uma realidade de precarização, de informalidade no mercado de trabalho, e isso significa que só as mulheres celetistas ou ME’s teriam acesso à licença-maternidade, então as mulheres que estão na informalidade porque possuem trabalhos esporádicos, ou recebem por fora, elas não teriam o direito [à licença maternidade] porque elas não teriam recolhido o INSS para receber. 

Volta ao trabalho e a relação mãe/bebê

Ana Paula, 34, jornalista e mãe de Diego, 1, que voltou a trabalhar presencialmente ainda no ano passado, no final de outubro, contou que conseguiu ficar até dezembro amamentando seu filho através do próprio leite. A entrevistada ressalta a importância da criação das crianças na coletividade e de sua rede de apoio para que isso fosse possível. “O meu bebê ficava com minha sogra e meu marido, que estava em home office, então eu amamentava ele pela manhã e na hora do almoço eu saía do trabalho, ia para casa, amamentava e voltava”. Após o período de seis meses, ela conta que a necessidade de amamentar foi diminuindo pela própria demanda do filho, e que naturalmente a demanda do trabalho foi aumentando também, e os dois se encaixando nessa nova dinâmica. 

Ana Paula e Diego
Ana Paula e Diego

“A maternidade é vivida de forma muito singular e podemos falar de muitas maternidades porque estamos falando de muitas realidades socioeconômicas e culturais diferentes no Brasil, mas podemos pensar que depois que um bebê nasce existe algo que está se construindo entre essa mãe e esse bebê”,  explica a psicóloga e psicanalista Taísa N. Martinelli, membro do Departamento de Psicanálise com crianças do Instituto Sedes Sapientiae.

Taísa N. Martinelli, psicóloga e psicanalista
Taísa N. Martinelli, psicóloga e psicanalista

A psicanalista ainda ressalta a importância da mulher sentir que possui uma rede de apoio para amenizar a sensação de sobrecarga que é muito comum. “Quando o bebê fica muito a cargo só da mãe, tem um risco ali da mãe se sentir sobrecarregada. É muitas vezes um momento em que a mãe se sente muito sozinha, e que ficam buscando interlocutores para acolher essa sensação de estranhamento, desespero e cansaço.” Ela completa dizendo que “em um passado não muito distante, as crianças eram cuidadas por uma comunidade, com as mulheres muito presentes nisso, e hoje, com esse novo cenário das mulheres mais inseridas no mercado de trabalho, essa disponibilidade mudou.”

Camila, 38, biomédica e mãe do Daniel, de 5 meses, está passando por esse processo de volta ao trabalho agora e diz que existe uma tensão envolvida nessa volta, justamente por se colocar em exposição durante uma pandemia em curso. Ela explica que voltou ao trabalho de forma híbrida e precisa frequentar espaços hospitalares. Para ela, é importante  poder contar com um acompanhamento terapêutico nesse momento, em que se vê como mãe e profissional ao mesmo tempo. “Meu preparo tem sido em terapia e tendo também o auxílio da minha rede de apoio, além do benefício de trabalhar em home office durante a maior parte do tempo”. 

Camila e Daniel
Camila e Daniel

A pauta sobre um maior período, tanto para licença-maternidade quanto para licença-paternidade está em discussão há bastante tempo no Brasil e, segundo a advogada Marina Ruzzi, esta é uma demanda que visa trazer mais equidade entre os gêneros: “Enquanto a mulher tem hoje até 6 meses, o homem tem apenas 5 dias corridos e isso obviamente produz uma sobrecarga materna que prejudica. Então, o que mais tem sido pedido é uma licença-parental  – e não necessariamente em separado.” Ela  complementa dizendo que os países escandinavos já possuem esse modelo em que os pais precisam tirar pelo menos seis meses cada um de licença-parental, podendo chegar em até dois anos, sendo esse período dividido entre o casal.

*Carolina Novaes é repórter do Papo de Mãe

Assista ao programa do Papo de Mãe sobre licença-maternidade:

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