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"Top": ator e escritor Vinicius Campos volta ao Brasil após dois anos

O colunista do Papo de Mãe analisa o que alguns brasileiros consideram "top" e o que realmente deveria ser enaltecido e elevado ao topo

Vinicius Campos* Publicado em 05/11/2021, às 09h54

"Top é se perguntar que mundo queremos para os nossos pequenos e de que maneira vamos começar a construí-lo", diz Vinicius Campos
"Top é se perguntar que mundo queremos para os nossos pequenos e de que maneira vamos começar a construí-lo", diz Vinicius Campos

Sou do tipo de pessoa que quando passa pela rua e vê uma porta aberta, olha lá pra dentro para ver o que está acontecendo. Sou daqueles que está sentado no ônibus e tenta adivinhar as histórias dos passageiros, registrar seus movimentos, olhares. 

Quando era pequeno escutava de meus pais: "não seja xereta", "não espia", "isso é muito feio". Mal sabiam eles que a base da minha profissão seria justamente a observação. Quantas coisas nossos pais tentam mudar na gente sem nem imaginar que aquele "defeito" na verdade é o nosso diferencial, aquilo que nos torna especiais.

Assista ao Papo de Mãe sobre os pais como modelo para os filhos. 

Vini
Vinicius Campos, que mora na Argentina, visita o Brasil. 

Esta semana visitei o Brasil depois de dois anos. Foi especial, emotivo e libertador. Fiz a viagem sozinho o que me permitiu momentos de muita observação. O aeroporto é um grande catálogo. Muita gente, algumas em situações estressantes, e eu lá, com tempo para olhar.

Numa das salas de embarque vi uma família com três filhas. Novinhas, em escadinha: meses, dois anos, e quatro, máximo. Pais corajosos. A bebê de colo sem chorar, a mais velha uma mocinha comportada, e a do meio em êxtase. Observadora, curiosa, animada. "Pai, olha o avião. Mãe, aquele é o maior. Como ele voa?" Ela corria, brincava, olhava pra tudo. E a mãe repetia: "fique quieta!" "quietinha" "para de se mexer".

Criança não é quieta. Não tem nem precisa ser. Somos movimento. Essa mania de nos castrar vem de longe e continua acontecendo. Nas famílias, nas igrejas, nas escolas. Tem coisa mais sem sentido que uma carteira atrás da outra e todas as crianças sentadas enfileiradas? Quatro, cinco horas, dentro de uma escola, presos numa cadeira. Cadê o movimento? O espaço para explorar? 

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Vini e amiga
Férias na Bahia

Praia do Forte, Bahia. Meu lugar no mundo. Um paraíso natural com estrutura para férias inesquecíveis. À noite, as famílias passeiam pela rua principal e jantam escutando música ao vivo. Num dos restaurantes, na mesa atrás da minha, havia um grupo grande. Adultos e crianças. Os pais conversavam sobre restaurantes chiques que tinham conhecido, a primeira vez que experimentaram lagosta, se ouvia a palavra "top" com frequência.

Um dos caras diz à filha: "não pede Sprite não, da última vez você não tomou, acabou o gás, ficou horrível, ninguém quis tomar. Tive que dar aquela merda para o porteiro."

Ele falou sem vergonha, e ninguém disse nada, nem rolou "climão". Parecia natural que quando alguma coisa é uma merda a gente dê essa coisa para o porteiro ou para o primeiro "pobre" que apareça no caminho. A filha, se ainda não sabia, aprendeu que o correto quando alguma coisa não está boa pra ser consumida por "nós" deve ser entregue a um "pobre", afinal, nesse mundo de classes, doar "merda" para alguém "inferior" está bem visto.

Óbvio doação é incrível, mas se o brinquedo, a roupa, ou a comida já não estão em condições de uso para mim, entregar a um "pobre" é humilhação e não caridade.

Top não é comer em restaurante caro e experimentar lagosta, top é tratar as pessoas como seres humanos iguais a nós. Top é se perguntar que mundo queremos para os nossos pequenos e de que maneira vamos começar a construí-lo.

*Vinicius Campos, escritor e pai de 3 adolescentes – Colunista do Papo de Mãe.
instagram: @viniciuscamposoficial