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O pai do ano

Uma crônica do psicanalista Paulo Bueno, um papo de pai

Paulo Bueno* Publicado em 05/08/2021, às 07h00

O dia dos pais está chegando
O dia dos pais está chegando

Dia dos pais chegando, tempo de pensar sobre paternidade. Uma das dificuldades que se soma às fraldas, choros e noites mal dormidas são as comparações. Me impressionam esses caras que trabalham, estudam, cozinham, faxinam, escrevem, malham e se encarregam dos cuidados dos filhos. Até faço algumas dessas coisas – não malho! –, mas aquilo que faço, faço muito mal. Demoro séculos para trocar uma lâmpada queimada, por exemplo, e assim faria sem me preocupar se não houvesse comparações. Fico constrangido quando vejo um pai como o Thammy Miranda reformando uma casa com as próprias mãos, e o pior, ele reforma a casa do seu pai, mostrando que além de dar exemplo pro filho, enche o próprio pai de orgulho. Não sou exemplo, nem orgulho. E o Marcos Piangers? Esse é um que nem gosto de pensar muito que já dá raiva, como se comparar?

Mas nem precisamos ir muito longe para encontrar heróis. Na própria família temos exemplos humilhantes. Sempre circulou em casa uma história de que meu pai salvou meu irmão recém-nascido de uma queda, ainda na maternidade. Não consigo salvar meu filho nem de um resfriado quando insiste em ficar sem blusa.

Hoje gostaria de contar uma história, do pai do ano, que escutei no rádio, enquanto voltava para casa com Pedro, após busca-lo na escola.

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Juan é um pai extremamente carinhoso, mas que, por conta de desentendimentos com a mãe, ficou sem ver a filha de quatro anos por um longo período. Não cabia em si de tanta alegria quando o juiz anunciou que poderia encontrar novamente sua menina. Se preparou por semanas, fez todo um planejamento: comprou uma toalha xadrez para o piquenique, as frutas prediletas da garota e, até mesmo, os chicletes proibidos (decisão essa que foi proferida por sua dentista e ratificada pela mãe). A ocasião merecia, sim, uma pequena transgressão.

Talvez tenha sido exatamente suas intenções transgressoras que animaram os santos a lhe castigarem, na realidade foi um único santo: São Pedro. Justo na semana do grande encontro o tempo virou. Dias frios, como há muito não se via em Barcelona. Mudança de planos, o convescote teria que ser em casa mesmo. Para compensar, Juan preparou uma série de brincadeiras para essa tarde, algumas inspiradas em sua infância, outras ele aprendeu com vídeos na internet.

Chegado o grande dia, foi à escola da garota e logo a encontrou: estava sozinha num canto, toda empacotada, com um grande casaco e o seu cachecol azul, além da máscara (que é acessório obrigatório em tempos pandêmicos). Pegou a filha nos braços e levou-a para sua casa.

Teve a melhor tarde de sua vida. Diferente das outras vezes, Carla estava mais extrovertida, ria a cada brincadeira, a cada careta, a cada pum que o pai soltava. Pularam amarelinha, fizeram piquenique, jogaram videogame. Foi no momento em que ela fez o segundo gol, com o Messi (pois apelativa que era, só jogava com o Barça), que o sonho se tornou um pesadelo. O pai atendeu o telefone, era da escola. Juan havia levado a garota errada, sua filha – a Carla verdadeira – passou a tarde inteira na escola esperando este, que ficou conhecido em toda a Espanha como o “pai do ano”. Em sua defesa, Juan disse aos jornais “los niños cambian, además es muy difícil de reconocerla con esta máscara”.

Carla, apesar de introvertida, é muito compreensiva e perdoou o pai. Quem não o desculpou foram os pais da falsa Carla, que entraram com um processo contra Juan (não pelo sequestro, mas pelas cáries que apareceram em decorrência da ingestão de guloseimas).[1]

Interrompi essas elocubrações repentinamente, parei o carro e olhei para trás. Lentamente, retirei a máscara cirúrgica que cobria seu rosto. Alívio! Era ele mesmo! Pedro, o meu Pedro, dormia em sua cadeirinha, cansado.

Talvez seja melhor mirar menos nos pais do ano para nos dedicarmos mais à invenção de nossa própria paternidade, a cada dia, a cada momento.

paulo bueno
O psicanalista Paulo Bueno

[1] Trata-se de uma ficção inspirada em história real, Pai que confundiu filha e buscou criança errada na escola se defende: “Elas mudam muito” – Pais&Filhos (uol.com.br).

*Paulo Bueno: Pai do Pedro, de 5 anos. Psicanalista, mestre e doutor em Psicologia Social pela PUC-SP e docente do Instituto Gerar Psicanálise, Perinatalidade & Parentalidade.

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