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O direito da criança à creche e ao cuidado

Você sabe qual o significado da palavra creche e qual a importância da creche para as crianças? A colunista Damaris Gomes Maranhão explica

Damaris Gomes Maranhão* Publicado em 02/09/2021, às 12h56

Na creche as crianças se desenvolvem
Na creche as crianças se desenvolvem

O termo “creche” origina-se do francês “crèche” que por sua vez deriva do frâncico (língua germânica) “krippja”, que significa berço, manjedoura, presépio ou infantário, local de acolhimento e suporte para bebês ou crianças de menor idade. Em países de origem latina pode ser traduzida como “guarderia”, em italiano como “asilo nido” e em inglês “child day care center” .

No Brasil no período anterior à Constituição de 1988, as instituições públicas ou privadas que se destinavam a compartilhar com os pais, mães ou outra pessoa responsável o cuidado e educação das crianças menores de seis anos eram consideradas serviços filantrópicos, assistenciais ou “cursos livres” e não eram registradas como estabelecimentos educacionais. Na cidade de São Paulo na década de 1970 eram denominadas Centros Infantis vinculadas à Secretaria de Bem Estar Social e em inúmeros municípios brasileiros estavam à margem da supervisão ou inscrição governamental.

Creche: um direito das crianças e das mães e pais

A partir da forte urbanização do país, da inserção das mulheres no mercado de trabalho e do fortalecimento da participação política da população, o movimento de mulheres lutou por mais serviços de qualidade que compartilhassem educação e cuidados de seus filhos liberando-as parcialmente para poderem estudar e trabalhar. Ativistas políticas do campo dos direitos, da educação e da psicologia se aliaram a estas mulheres no movimento da CONSTITUINTE CIDADÃ e conseguiram incluir na Constituição de 1988 o direito à educação infantil como DEVER DO ESTADO, reconhecido como o direito dos pais trabalhadores urbanos e rurais e de todas crianças que vivem no território brasileiro independente de qualquer condição física, social, econômica, étnico racial, religiosa e demais.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou LDB reafirma o direito à educação e a define como primeira etapa da educação básica, estabelecendo os princípios da educação e do dever do Estado em relação à educação escolar pública e privada, definindo as responsabilidades em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Segundo esta lei, a educação nacional está organizada em dois níveis: a básica e a superior.

A educação básica se inicia na Educação Infantil – creches (de zero a três anos e onze meses) e pré-escolas (quatro a cinco anos e onze meses), seguida pelo Ensino Fundamental (anos iniciais, de seis a nove anos e anos finais de 10 aos 14 anos),  seguido pelo Ensino Médio (ou antigo 2° grau). A matrícula de crianças de partir dos quatro anos completos até 31 de março passou a ser obrigatória com a aprovação da Emenda Constitucional de 59/2009, mas que foi regulamentada em 2016.

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Assim, embora a primeira fase da educação infantil, ou seja, a creche, antes dos quatro anos completos não seja de matrícula obrigatória, é dever dos municípios garantir vagas para quem demandar. A educação infantil é um direito de toda criança e as famílias que optem por matricular seus filhos em estabelecimentos educacionais para menores de três anos e onze meses têm este direito garantido em lei. Tanto na rede privada quanto na pública, estas instituições exigem profissionais habilitados no magistério, proposta pedagógica planejada e devem estar vinculados e supervisionados pelas Secretarias Municipais de Educação, assim como seguir a legislação sanitária para seu funcionamento.

Há um certo preconceito na rede privada com a denominação “creche”, associada aos pobres, e muitas vezes se adotam termos fantasias como: casa do brincar, cantinho feliz, sossego da mamãe, centro de cultura infantil, hotelzinho ou mais frequentemente “berçário”. Mesmo entre os profissionais da educação se prefere o termo Educação Infantil pois associa-se ainda o termo “creche” ao assistencialismo que permeava sua organização. As empresas, universidades e hospitais que mantém este serviço para atender os filhos e filhas de trabalhadores ainda usam o termo Creche, mesmo em hospitais privados ou públicos ou universidades.

Esta confusão de termos permeados pelos significados do histório deste serviço e do duplo direito que ele atende – das crianças e dos trabalhadores – dificulta a compreensão sobre suas especificidades neste momento de retorno às interações presenciais com crianças na rede pública de educação. A maioria dos protocolos produzidos e assinados por profissionais de saúde em parceria ou não com profissionais da educação ao denominar “escolas” parece desconsiderar as especificidades do atendimento sobretudo dos menores de dezoito meses que são denominados pelo setor educação como “bebês”.

E no processo de planejamento para atendimento das crianças da rede pública que atende inclusive filhos e filhas de trabalhadores que não podem desenvolver suas funções em home-office – motoristas e cobradores de ônibus, setor de limpeza urbana, empregados domésticos, cozinheiros e auxiliares de restaurantes, hospitais e outros serviços essenciais, assim como equipes de higiene dos diversos ambientes que se mantém funcionando, inclusive hospitais, postos de vacinação, supermercados, farmácias, e mesmo escolas privadas que já abriram em outubro de 2020, setores de produção, bancos, etc. a faixa etária dos menores de três anos é a última a ter previsão de retorno. Por que? Desde que o espaço e a ventilação sejam adequados e os professores preparados para cuidados integrados a ações educativas que incorporem precauções padronizadas (como sempre deveria ter sido), não se justifica desconsiderar os direitos das crianças à educação e saúde - assim como dos trabalhadores.

O risco de creches clandestinas

Ao mesmo tempo, vemos um anúncio de algumas autoridades públicas propondo substituição destes serviços públicos ainda insuficientes para garantir o direito das crianças e dos trabalhadores por fornecimento de “vouchers”. Há um risco iminente de retrocesso em relação aos avanços quando se fala em “mãe-crecheira”, ou seja, um serviço prestado por mulheres que acolhem várias crianças em suas casas, muitas vezes sem formação e sem ambiente adequado à educação e cuidado dos menores de três anos e onze meses. Sempre houve este tipo de serviço clandestino, às vezes a única solução encontrada por trabalhadoras de baixa renda.

Em 2011 fiz uma busca no google sobre morte de crianças em creches e constatei que a maioria ocorreu em creches clandestinas (conhecimentos para proteger vidas: um tema delicado. Maranhão, 2011). Elas continuam existindo sem fiscalização e como a única opção para muitas famílias. Li recentemente na imprensa uma notícia sobre a morte de outra criança nesta condição: “Vídeo mostra bebê que morreu esquecido dentro de carro se movendo no veículo”. O bebê foi esquecido no carro pela cuidadora de 10 crianças em sua casa.

Vamos continuar omissos em relação à esta situação que se agrava com a pandemia e pelo fato dos gestores educacionais deixarem em segundo plano o retorno das Creches ou Centros de Educação Infantil como se denominam na cidade de São Paulo? Grande parte da dificuldade de planejar cuidados seguros para esta faixa etária, bem como para seus professores se dá pelo fato dela ser negligenciada desde sempre em relação aos cuidados específicos que deveriam ter sido planejados e implementados mesmo antes de surgir a pandemia pelo SARSCov2. Me refiro às falhas na arquitetura, na formação dos pedagogos para um cuidado que permeia a educação infantil com base na ciência e não apenas no senso comum. Afinal, a creche também tem a função de promover a saúde e o bem estar às crianças. Estamos abertos ao debate com profissionais de educação, da saúde e familiares.

(Agradeço a leitura critica de Rita Coelho e Cisele Ortiz.)

*Damaris Gomes Maranhão Mãe do Bruno e da Melissa, avó da Clara, tia avó da Manuela. É enfermeira Especialista em Saúde Pública UNIFESP/USP, Dra em Ciências da Saúde pela UNIFESP, Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Consultora do CEDUC e Formadora no Instituto Avisalá

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