Papo de Mãe
» DIA INTERNACIONAL DA SÍNDROME DE DOWN

"Minha filha vive em mim": conheça Rita de Cássia, que teve Helena, uma bebê com síndrome de Down

Rita escreveu este texto comovente para a seção Você no Papo contando a história da sua filhinha Helena. Hoje é dia internacional da síndrome de Down

Rita de Cássia Fernandes* Publicado em 21/03/2022, às 08h59

A pequena Helena - Foto: arquivo pessoal
A pequena Helena - Foto: arquivo pessoal

Sou a Rita, 45 anos, casada com Eduardo há 11 anos, mãe da Julia (hoje com 26 anos – filha do meu primeiro casamento), avó do Kauan 8 anos e do Enzo de 7.

Em 2018, apesar de já planejar um filho, a descoberta da gravidez foi uma grande surpresa. Após 10 anos esperando por esse momento novamente, quando eu já havia desistido, descubro aos 42 anos que estava grávida. Confesso que nos primeiros dias um turbilhão de emoções tomou conta de mim e eu não acreditava que isso estava acontecendo, mas aos poucos a ficha foi caindo e posso dizer que começaram os melhores dias da minha vida.

Uma gestante com mais de 40 anos é sempre considerada de alto risco, porém como estava tudo sob controle, realizei meu pré-natal fora do grupo de risco (por indicação médica). Nunca tive medo pelo fato de ser uma gestação tardia e não ocorreu nenhum problema ou susto durante a gestação da Helena.

Todos os exames e pré-natal estavam perfeitos, e em nenhum momento sequer os exames mostravam qualquer alteração que sugerissem alguma síndrome ou problema cardíaco, mas eu sentia que algo seria muito diferente e assim permaneceu por toda gestação até o dia do seu nascimento. Em 18/08/2019, às 16:52, 32 semanas, parto normal, Helena chegou.

rita e helena
Rita e Helena

Recebi a notícia da síndrome de Down, ainda na sala de parto e não me senti triste em nenhum momento. Aquela sensação que tinha na gestação se confirmou, senti no meu coração que Helena seria muito especial na minha vida.

Após 2 horas recebi a notícia que ela havia sido entubada pois não conseguia respirar sozinha.

A alegria da sua chegada, após algumas horas, foi substituída pela tristeza, medo, informações, diagnósticos que tivemos que absorver, compreender, conviver: UTI.
Tudo conosco foi diferente: não pude tocá-la ao nascer, não dei seu primeiro banho, não troquei sua primeira fralda, não pude amamentá-la.

Eu só pude pegá-la no colo 15 dias após o nascimento e eu nunca esquecerei esse momento.

Quatro dias após seu nascimento: cardiopatia (sim, Helena era cardiopata, e uma das classificadas como mais graves. Diagnóstico: DSAV TOTAL, Defeito de Septo Átrio Ventricular).

filhos e netos
Julia, filha de Rita, os netos Kauan e Enzo, e Helena

No coração normal, existem quatro cavidades cardíacas (2 átrios e 2 ventrículos), sendo que entre o átrio direito e ventrículo direito existe a valva tricúspide e entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo existe a valva mitral. No caso desta cardiopatia, a malformação se caracteriza por uma junção atrioventricular comum, ou seja, não existem estas valvas características, apenas um grande anel com um orifício (defeito de septo total) que enviam sangue dos átrios para os ventrículos.

A cardiopatia congênita acomete cerca de 50% das crianças com T21. Nem todas as cardiopatias congênitas precisam de correção cirúrgica, mas Helena precisava.
Helena permaneceu internada desde o seu nascimento (por 10 dias em estado grave) e após longos 68 dias a trouxemos para casa e enfrentamos uma série de consultas com pediatra, fonoaudióloga, fisioterapeuta, Terapeuta Ocupacional e as diversas consultas com cardiologistas e profissionais do InCor.

Nos adaptamos em casa com ela , que nos surpreendeu TODOS OS DIAS. Fizemos todos os acompanhamentos necessários (não faltamos sequer a uma consulta), mas a sua maior estimulação foi em casa e lá passamos os melhores momentos e mais felizes vendo seu desenvolvimento.

Helena foi diferente de tudo que ouvimos e lemos, mas não ignoramos que existia uma cardiopatia ímpar que precisava ser acompanhada e reparada.

Devido à complexidade do caso, todos os exames necessários foram realizados para que definissem qual a melhor conduta que deveria ser tomada pela equipe cirúrgica do InCor. Helena tinha uma chance. A chance de ter qualidade de vida, de se desenvolver, de brincar, de crescer . Não operando, a qualquer momento ela poderia partir. E quantos pais e crianças gostariam de ter a oportunidade que tivemos em realizar a correção cirúrgica ?

Nós tínhamos que dar essa chance para nossa filha, mesmo sabendo de todos os riscos, mas nós sabíamos também que sem a cirurgia ela não resistiria por muito tempo.
Helena foi operada no InCor, no dia 25/09/2019. A equipe médica do Incor, era do médico cirurgião Dr. Marcelo Biscegli Jatene.


Objetivo esperado atingido


Cirurgia concluída com sucesso!!!!
Coração foi corrigido.
Helena estava num dos melhores hospitais com a melhor equipe. SOU ETERNAMENTE GRATA A ELES POR TUDO!!!!
(Na lista World's Best Specialized Hospital 2021 de cardiologia, o InCor está entre os 50 melhores do mundo, na 23ª posição). Vivemos o pós-cirúrgico em câmera lenta (porque viver um pós-cirúrgico é uma tortura, independentemente do resultado final).

Era um coração corrigido, porém com um pulmão que não reagiu bem ao pós-operatório. Um pulmão que estava acostumado a trabalhar com a anatomia do coração que estava doente - e como houve a correção cirúrgica, o pulmão agora teria que se adaptar a essa nova condição. Enquanto isso não acontecia, ocorreram diversas crises de hipertensão pulmonar (hipertensão pulmonar que já estava sendo tratada muito antes da cirurgia, pois era muito elevada) que foram controladas, até o dia 17/10/2019, 22 dias após cirurgia, quando uma hemorragia pulmonar levou Helena.

Senti o chão se abrir diante de mim, a mente toda embaralhada, como se os últimos 2 anos passassem muito rápido na minha cabeça.

Eu não tive a oportunidade de segurá-la no colo quando ela nasceu, mas na sua partida, assim que cheguei naquele hospital, sabia que sua missão havia sido cumprida aqui e com Helena no colo, sem vida, abracei, beijei e repeti o que já havia dito várias vezes para ela: o quanto fomos felizes e ganhamos por sermos seus pais.

Aquele setor do hospital foi tomado de uma emoção que nunca me esquecerei. Lidar com a morte é reaprender a viver todos os dias.
Eu adoeci...
Pensei que fosse morrer...
Não me reconheci mais (ainda estou nesse processo).

Perder um filho é a maior prova pela qual um ser humano pode passar na vida.


Só temos a real dimensão de algumas situações na vida quando realmente passamos e assim foi conosco ao longo desse período: eu sabia sobre a síndrome de Down (e outras síndromes) mas só me envolvi nesse mundo quando Helena nasceu e assim foi com a cardiopatia, com dias dentro do hospital, com pós cirúrgico até o dia que Helena partiu e eu pude ter a dimensão de quantos bebês e crianças falecem por várias circunstâncias. Não que antes eu não me importasse, mas isso não era presente na minha vida e não fazia parte da nossa rotina.

E se eu tivesse a oportunidade de voltar ao passado, e numa estante tivesse vários bebês e dentre eles uma Helena, eu escolheria ela e por ela eu passaria tudo novamente.


Aí você se pergunta: Por que isso foi acontecer comigo, quando milhares de famílias passam por isso também? Então, por que não poderia ser comigo?

Os últimos meses têm sido difíceis, às vezes quase insuportáveis. Não é fácil estar longe de quem amamos, de quem simplesmente partiu, principalmente muito cedo. Não superamos, nunca vamos superar... convivemos com a dor da ausência.

Hoje, sinto que a minha missão não acabou!


No pré-operatório da Helena fui tomada por uma angústia imensa e já não tinha mais forças para pedir a Deus que curasse minha menina, então comecei a apelar nas redes sociais para que as pessoas me ajudassem a orar, e fui acolhida de uma forma que não esperava.

Com sua partida, fomos tomados por um imenso amor e acolhimento. Pessoas que sequer eu conhecia, mas que conheciam a nossa história. Após o falecimento eu senti que era meu dever continuar com as postagens como forma de agradecer a todos que tinham nos apoiado e nos confortado através das redes sociais @nossahelenabailarina.

Não quero falar apenas de uma bebê que era cardiopata, operou e partiu, mas de uma criança que chegou com síndrome de Down em uma família e que foi amada incondicionalmente todos os dias e a todos os minutos, como se fosse o último.

Meu objetivo é mostrar que podemos ser felizes, independentemente de qualquer diagnóstico e que não podemos desistir. Contemplamos outras vitórias (muito maiores que derrotas ) e quando há perdas, nos unimos numa corrente de amor e solidariedade e nos abraçamos, mesmo em meio a uma dor dilacerada .

Minha intenção é multiplicar sua história. Falar tudo de bom que vivi com ela.
Quero mostrar para outras famílias que viver HELENA desde a gestação foi magnífico e se uma mãe perde um filho e me procura eu consigo entender exatamente o que ela está sentindo e de alguma forma abraçar e tentar confortar seu coração. Hoje , eu abraço, mesmo que virtualmente , mães e pais que passam pelo mesmo sentimento que NÓS, Eduardo e eu passamos.

cassia e eduardo
Cássia, Helena e Eduardo

Da mesma forma que fomos consolados, também podemos consolar.
Nós, pais que perdemos nossos filhos, não precisamos, tampouco devemos, ser tratados como coitados, mas sim com RESPEITO.

Meu combustível para viver é ver como nossa história e nosso acolhimento impactou e impacta na vida de tantas mães e crianças. Eu NÃO superei a partida da Helena, mas posso sim continuar falando dela, publicando as fotos, contando tudo de bom que vivi com ela e tenho condições de influenciar outras famílias.

Eu preciso reconstruir o meu vazio no mundo, para isso eu mantenho a memória da minha filha viva, contando sua história, bem como nosso relacionamento com ela.

Essa foi a forma que encontrei pra estar aqui.

Essa é a maneira que consigo seguir: EU AMO FALAR DA HELENA.

Embora eu saiba que minha filha faleceu, para mim ela sempre será imortal e essa imortalidade é sustentada de diferentes maneiras, porque é assim que eu me mantenho de pé convivendo com sua ausência.

EU NÃO SEPULTEI UMA HISTÓRIA, EU SEPULTEI O SOFRIMENTO DA HELENA POR DETERMINAÇÃO DE DEUS!

Transformo a minha dor em amor!

*MINHA FILHA VIVE EM MIM*

Hoje aos 45 anos, permaneço com a esperança de ser mãe novamente.
Nossas redes sociais: @nossahelenabailarina
Livro que participamos : POR VOCÊ EU EMPURRO ESSA CAUSA, SOMOS ESPECIAIS.

*Rita de Cássia Fernandes é mãe da Julia e da Helena, avó do Kauan e do Enzo. Trabalha como analista de RH.
sorriso
O sorriso de Helena. Para sempre.

Nota da Redação

A equipe do Papo de Mãe agradece de coração à Rita por dividir sua história com a gente e aproveita para publicar este texto no dia de hoje, dia Internacional da síndrome de Down, em homenagem à memória da pequena-grande-linda Helena. (Mariana Kotscho)

Você no Papo