Papo de Mãe
» DECISÃO DA MULHER

A "mãe velha" e as velhas concepções

Os ideais da sociedade: o psicanalista Leandro Alves Rodrigues dos Santos fala dos julgamentos sobre as mulheres que decidem engravidar "tarde demais"

Leandro Alves Rodrigues dos Santos* Publicado em 31/08/2021, às 10h30

As mulheres engravidam mais tarde atualmente porque querem avançar na carreira acadêmica e profissional
As mulheres engravidam mais tarde atualmente porque querem avançar na carreira acadêmica e profissional

Sei que o título é chocante, mas foi estabelecido propositadamente, mesmo que esse tema não seja comumente explicitado em alto e bom tom, mas, ainda assim, é bem sabido o julgamento que cai sobre uma mulher quando esta decide engravidar após certo limite de idade. E, nesse caso, o limite de idade, tanto faz se mínimo ou máximo, sempre passa pelo crivo da concepção individual ou mesmo coletiva que se mantém durante certo período histórico de uma sociedade.

Trocando em miúdos, nos meus vinte e cinco anos de prática psicanalítica, desde o começo de minha clínica, noto que certos limites temporais vão se modificando no imaginário das pessoas. Explicando: nos anos noventa, quando comecei, era comum encontrar pacientes que engravidavam pela primeira vez aos trinta anos e se achavam velhas, num misto de autocrítica e resignação. Alguns anos depois, isso mudou para trinta e cinco anos, posteriormente, trinta e oito anos passou a ser um referencial recorrente e, ultimamente, frases que dizem de que é possível esperar até quarenta anos ou mesmo um pouco mais, sendo o congelamento de óvulos uma possibilidade que muitas vezes é citada sem grandes ressalvas.

O primeiro argumento explicativo sobre esse fenômeno e que seria esperado, provavelmente diria de uma mudança social da posição das mulheres que, em sua grande maioria, optam por trabalhar fora de casa, estudar e, no caso das classes média e alta, fazer carreira profissional em empresas. Desse ponto de vista, a mulher que ficaria em casa, se tornou mãe aos vinte e poucos anos e se mantém cuidando dos filhos, compondo uma família nos moldes mais tradicionais, estaria assim desadaptada em relação aos tempos atuais. Dito de outra forma: as mulheres engravidam mais tarde atualmente porque querem avançar na carreira acadêmica e profissional e, com isso, só podem se concentrar no projeto de uma maternidade mais tranquila já próximo dos quarenta anos.

E por que isso seria questionável? Por que notamos um julgamento que recai sobre a mulher que se decide a encaminhar sua vida dessa forma, afinal, apenas seu companheiro poderia se objetar ou concordar com isso, mais ninguém. Bem, certamente não é isso que verificamos cotidianamente, pois essa mãe será apontada nas conversas à boca pequena como uma... “mãe velha”, ou ainda, “só se tornou mãe depois de velha” ou, pior ainda, conversas maldosas que se perguntam qual a doença que ela ou o marido podem ter, via de regra ligadas a fantasias que dizem de uma suposta infertilidade, quase um defeito indesculpável e que, obviamente, atrasou a gravidez.

Veja também: 

Ora, é nesse ponto que penso destacar um elemento importante, uma suposta idade para uma gravidez nada mais é do que um ideal, ainda que nesse caso personificado em uma idade que pode variar, até mesmo porque nossas bisavós se casavam e tinham seus rebentos um pouco depois de adolescência, algo esperado naquela época e, claro, idealizado pela sociedade de então. Também naquele momento histórico haveria uma idade “certa” para procriar, um ideal compartilhado. E fica claro que cada sociedade nutre ideais específicos para seus participantes, variando de cultura para cultura, mas há sempre um imperativo que exige dos participantes.

Minha profissão gira em torno disso, relativizar os ideais, questionar porque um paciente se submete ou não a certo imperativo social, se no fundo pensa apenas em agradar e ser reconhecido ou, se na verdade, banca se posicionar contrariamente.

No caso desse escrito, a primeira grande questão que se põe é: por que julgar e ampliar essa submissão a um ideal social que se torna tão restritivo? Afinal, a decisão de uma mulher deveria ser algo íntimo a ela, ser ou não mãe também e, caso seja essa a decisão, respeitar a idade cronológica e, principalmente, o projeto de vida dessa mulher que decidiu se tornar mãe.

No fundo, sabemos bem que não há garantia alguma de que, engravidando aos vinte ou aos quarenta anos, seja melhor ou pior para o bebê, até porque entrariam em cena múltiplos elementos, tornando-se uma questão complexa e sem resposta definitiva. Seria também bem difícil obter a concretização de preconceitos que nutrimos, crenças que vamos reproduzindo sem nos darmos conta e, no fundo, servem apenas para nos tranquilizarmos.

As mulheres livres sempre incomodam a sociedade, de maneira geral. Há que se respeitá-las, afinal, no fundo, são elas que decidem e, mais do que nunca, sabem o que é melhor, ainda que não coincida com os ideais de sua época.

*Leandro Alves Rodrigues dos Santos - Psicanalista, doutor em psicologia clínica (USP) com pós-doutoramento em psicologia social pela PUC-SP. Autor de “A psicanálise no Brasil antes e depois de Lacan: posições do psicanalista nessa história” (Zagodoni, 2019)

Assista ao Papo de Mãe sobre mãe acima de 50 anos. 

ColunistasLeandro Alves Rodrigues dos SantosDesafios / DilemasGravidez