Papo de Mãe

Histórias de racismo envolvendo crianças e maneiras de lidar com ele

Roberta Manreza Publicado em 27/04/2015, às 00h00 - Atualizado às 08h44

Imagem Histórias de racismo envolvendo crianças e maneiras de lidar com ele
27 de abril de 2015


Os pais Jonathan Duran e Georgia Kitsos viveram episódios de preconceito ao lado de seus filhos

Por Juliana Malacarne Revista Crescer

Jonathan Duran e Geórgia Kitsos não se conhecem, mas têm algo em comum. Ambos têm filhos pequenos que foram vítimas de discriminação racial no Brasil recentemente. Mesmo depois de anos de luta por igualdade, esses tristes episódios continuam acontecendo com crianças negras. Tanto Jonathan quanto Geórgia foram a público contar as experiências por que passaram com seus filhos na tentativa de mudar a mentalidade de algumas pessoas e estabelecimentos.

Preconceito em SP

Jonathan, que é americano naturalizado brasileiro e empresário, mora em São Paulo e estava passeando no dia 28 de março com sua família pela Oscar Freire, rua famosa por ser endereço de várias grifes, quando a esposa, a assistente social Ednilce, resolveu entrar em algumas lojas de sapatos. Ele e o filho Lucas, de 8 anos, pararam para tomar um sorvete.

Como a esposa estava demorando, o dois ficaram em um recuo em frente à loja Animale. O pai pegou o celular enquanto o menino se distraía com uma cartela de adesivos de super-heróis. Segundo Jonathan, foi então que uma vendedora saiu de dentro do estabelecimento dizendo: “Ele não pode vender coisas aqui”. Ao que ele respondeu: “Ele é meu filho”, e começou a andar com o menino para longe dali.

Ele descreve que a situação o deixou chocado por alguns momentos. “Andamos uns 50 metros e voltamos. Eu tinha que falar alguma coisa. Entramos na loja e fui atrás da vendedora, mas ela estava atendendo outra pessoa. Demorou um pouco e cansei de esperar. Fomos embora e então resolvi escrever um desabafo nas redes sociais”, disse em entrevista à Crescer.

O desabafo de Jonathan foi compartilhado mais de 3,5 mil vezes e ganhou as manchetes de todo o país. No texto, acompanhado pela foto da fachada do estabelecimento em questão, ele escreveu: “O meu filho e eu fomos expulsos desta loja enquanto eu fazia uma ligação porque, em certos lugares em São Paulo, a pele do seu filho não pode ter a cor errada”.

A loja Animale escreveu uma nota direcionada à família de Jonathan lamentando o ocorrido, afirmando que a funcionária estava em período de experiência e que as palavras ditas por ela não refletem a cultura inclusiva da equipe. O Ministério Público de São Paulo está preparando um inquérito contra a grife para avaliar se o incidente foi um ato racista.

Para Jonathan, a retratação não foi suficiente e, pior, tem medo de que o filho carregue traumas do ocorrido: “De vez em quando, ele comenta que queria ter a pele mais clara, que não vê tantos negros na mídia, nos lugares que a gente vai… A classe média de São Paulo vive dentro de uma bolha”, disse o pai, indignado.

Preconceito no RJ

Georgia, por sua vez, mora a uma ponte aérea de distância de Jonathan e, segundo ela, essa não foi a primeira vez– seu filho já foi discriminado diversas vezes em restaurantes e até farmácias, conta. Mas somente agora, depois de conhecer o caso de Jonathan pela internet, resolveu trazer à tona em público o episódio pelo qual seu filho passou no começo deste mês em uma rede de fast-food Burger King, em Ipanema.

Ao pegar uma bebida na máquina de refrigerantes da loja, a mãe diz que o segurança questionou a criança perguntando o que ela estava fazendo ali. Assustado, o menino foi para perto da mãe, que foi questionada se ele era seu filho. “Fiquei muito indignada e perguntei a ele se, caso fosse um menino loiro e de olho azul, ele faria a abordagem da mesma maneira. Ele respondeu que não e justificou dizendo que, às vezes, entravam uns ‘moleques’ e ficavam mexendo na máquina. Depois, pediu desculpas pelo engano”, escreveu.

Segundo Georgia, o presidente do Burger King ligou para ela depois que a história foi publicada, pediu desculpas, disse que essa não era a política da empresa e afirmou que o funcionário foi desligado da empresa. O filho de Georgia também não comenta muito com a mãe sobre o caso. “Percebi que, depois disso, ele ficou mais retraído. Mas, depois que viu que os nossos amigos e os dele também compartilharam a história com mensagens positivas, começou a ficar mais tranquilo”, disse em entrevista à Crescer.

Então, como falar com as crianças sobre isso?

Se você passou por situação similar — ou se colocou no lugar desses pais –, saiba que é normal que a família se sinta desnorteada com esse tipo de situação. Afinal, de que maneira introduzir um assunto tão delicado com o filho? Para a psiquiatra da Infância e Adolescência Ivette Gattas, uma das melhores maneiras de lidar com essa questão é esperar que as crianças façam as perguntas: “Normalmente, elas questionam sobre o que está incomodando. Os pais, então, devem se preocupar em responder adequando a linguagem de acordo com a idade”, diz. Outro ponto fundamental, segundo a especialista, é deixar claro para o filho que não há nada de errado com ele e que o erro foi somente da pessoa que o discriminou. Isso porque os pequenos têm tendência em se culpar pelo incidente. Usar histórias, livros, desenhos, recriar o acontecimento na hora da explicação podem facilitar o entendimento por parte deles.

Já, quando o filho não faz nenhuma pergunta sobre o assunto, como é o caso das duas crianças, é preciso que os pais estejam atentos em relação a outros sinais de desconforto e angústia. “Se ela começa a ter problemas para dormir, fica ansiosa, não quer comer, ou se recusa a ir para a escola é porque algo não está bem. Os pais devem perguntar o que está acontecendo e podem até falar sobre o incidente diretamente. Assim, vão proporcionar uma oportunidade para as crianças perguntarem o que precisam saber”, afirma. Mas tudo sem forçar, claro! Se perceber que ela não se abre de jeito nenhum, é hora de buscar ajuda com um especialista.

O papel dos pais

Infelizmente, não existe um botão mágico que fará com que casos como os de Jonathan e Georgia parem de existir da noite para o dia. Porém, os pais desempenham um papel essencial na criação de uma sociedade igualitária ao educarem seus filhos para que não sejam perpetuadores de preconceitos.

Como? De forma incansável, diariamente. Segundo a psiquiatra Ivette, vale investir um tempo em conversas genéricas sobre discriminação aproveitando situações corriqueiras para explorar o assunto com a criança. Porém, o mais importante é o que mostramos aos nossos filhos: “Se a gente quer que eles tenham um determinado comportamento, temos que dar o exemplo. Sempre vamos ser exemplo para nossos filhos até o momento em que eles vão pegar o que aprenderam conosco e unir às próprias experiências. Precisamos exercitar o não preconceito”, afirma. Afinal, nossas atitudes surtem muito mais efeito do que as palavras.




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