Papo de Mãe

 Garota de Copacabana

Roberta Manreza Publicado em 25/06/2017, às 00h00

Imagem  Garota de Copacabana
25 de junho de 2017


Por Luis Cosme Pinto*

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Dick Farney e Lucio Alves primeiro, Roberto Carlos e Caetano Veloso depois, Chico Buarque e Wilson das Neves dia desses….

Muita gente boa cantou a Tereza da Praia, a morena bonita de-nariz-empinado-com-uma-pinta-do-lado que beijava o sol, amava o mar e enlouquecia os homens. Um clássico de Jobim e Billy Blanco criado em tempos de Bossa Nova.

Lá em casa a gente amava outra Tereza da Praia. A nossa Therezinha, com “h” no nome, que ficava ainda mais carinhoso assim, no diminutivo.

A nossa Therezinha – que linda – flertava com outra obra prima de Jobim, só mudava de bairro. Em vez de Garota de Ipanema era a Garota de Copacabana.

Quanta história ouvimos, a nossa mãe bem novinha, solteira, de maiô nas areias de  Copacabana, ali entre os postos 5 e 6, perto da rua Miguel Lemos. As fotos em preto e branco revelavam a jovem cercada de amigas. Therezinha era a mais encantadora, a mais popular, a de sorriso mais bonito. Vaidosa, se molhava até o pescoço para não desarrumar o cabelo.

Uma garota alegre, de olhar radiante e a pele tostada de sol.

Num domingo de verão ela quase esbarra num rapaz desajeitado de calção largo e pele muito, muito branca, quando o bronzeado era quase um atestado de bons antecedentes naquele pedaço do Rio de Janeiro. Ele vinha de longe, duas horas de bonde e a cor era de quem trabalhava de segunda a sábado.

Mas o forasteiro tinha seus encantos, era bem humorado, bom de papo, inteligente.

Edgar, não se intimidou diante dos bronzeados e bonitões de Copacabana.

-Não te conheço de algum lugar, arriscou. Posso lhe oferecer um picolé?

Therezinha aceitou  o sorvete, o mergulho, o amor. Um ano depois a paquera já era casamento.  A Garota de Copacabana virou mãe de três moleques em Vila Isabel, bairro a quase 30 quilômetros de distância e alguns túneis e morros no meio. Pra completar ganhou a sogra chata como vizinha, logo ali no apartamento ao lado.

Eram as décadas de 50 e 60 e a mãe de família tocava a vida sem nunca esquecer os  banhos dourados de Copacabana. Pedia, insistia para voltar pra lá. Queria por que queria ver o mar logo cedo. Mas Copa era o bairro da moda, cada vez mais caro e cada vez mais distante das posses da família. Não dava pra mudar assim, de repente, dizia Edgar, agora um funcionário público.

Até que um dia, de surpresa, nosso pai trouxe a notícia:

-Vamos todos morar em Copacabana, pertinho do mar e dos sonhos da Therezinha.

Que festa!

Naquela noite minha mãe fez um banquete para todos, incluindo a sogra.

Teve carne assada, empadão de camarão, croquete; de sobremesa, gelatina colorida e pudim.

Mesmo quem não gostasse de praia e achasse fútil a vida na Zona Sul carioca ia vibrar com a euforia da Therezinha. O mesmo sorriso, a mesma animação adolescente. No dia seguinte à mudança lá  estava nossa mãe nas areias de Copacabana se molhando até o pescoço e esbanjando bronzeador no corpo. Tomando mate e comendo biscoito Globo, provando o cuscuz da baiana, ali estava a mulher mais feliz do Rio de Janeiro. Nem ligou que, mais uma vez, a sogra veio com a mudança.

Mas passou rápido. Muito rápido.

A Garota de Copacabana hoje é uma frágil Senhora do Leblon, onde vive numa clínica. Ninguém sabe exatamente como nem quando, mas roubaram dela as lembranças de tantos momentos que pareciam inesquecíveis. Primeiro o Alzheimer criou confusão mental, lapsos, mudanças de humor, depois lhe tomou os movimentos e até a capacidade de falar e mastigar. Therezinha está imóvel, não reconhece mais ninguém.

Nem os filhos. Nem os netos.

Numa tarde de outono visito minha mãe. Como ela sempre foi fã de Roberto Carlos, canto do jeito que posso e vou de Detalhes ao Caminhoneiro. No fim arrisco a Tereza da Praia. Nos primeiros versos enxergo no rosto enrugado uma tentativa de sorriso. É muito rápido, mas verdadeiro, conheço aquele sorriso. Uma lágrima no olhar opaco ameaça brotar. Abraço minha mãe. Pode ser apenas uma falsa impressão, mas sinto que nosso amor sobrevive naquele abraço.  Esse foi o presente que ganhei da Garota de Copacabana no mês das Mães. Na volta pra São Paulo me pego cantando.

“Então vamos a morena na praia deixar

Aos beijos do sol, abraços do mar

Tereza é da praia, não é de ninguém

Não pode ser minha nem tua também…”

*Luis Cosme Pinto é jornalista, autor do Livro de Crônicas Ponte Aérea.

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