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Eu também falo português: como criar uma criança bilíngue no exterior?

A comunicadora Renata Formoso conta como é criar uma criança bilíngue fora do país e tentar manter as raízes brasileiras

Maria Cunha* Publicado em 05/06/2021, às 07h00

Autora do livro "Eu também falo português", Renata incentiva Noah a praticar o idioma - Arquivo de Renata Formoso
Autora do livro "Eu também falo português", Renata incentiva Noah a praticar o idioma - Arquivo de Renata Formoso

Renata Formoso é comunicadora e mãe de Noah, de 5 anos. Ela mora em Londres há 12 anos, onde o filho nasceu. Recentemente, Renata lançou um livro sobre como é ser uma criança bilíngue morando no exterior, com o objetivo de incentivar o próprio filho a não perder as raízes brasileiras e a falar português.

A comunicadora conta que Noah está ensinando a ela “muitas coisas desse mundo maluco da maternidade no exterior e sem rede de apoio”. Já Renata, ensina Noah, diariamente, a prática da língua portuguesa.

Tanto Renata como o marido Mário são brasileiros, o que facilitou, no início, que o menino falasse português. “A gente sempre falou português em casa e tudo que eu já li sobre crianças bilíngues fala da importância da gente manter a língua nativa dentro de casa. Então, antes de ele entrar na escolinha, até os 2 anos ou 2 anos e meio, era bem tranquilo, o português dele era super fluente e o pouco contato que ele tinha com o inglês já era suficiente para ele se comunicar”.

Hoje em dia, a mãe de Noah conta que mesmo com ela e Mário falando português com o filho em casa, a preferência de Noah é o inglês, “ele pensa em inglês”, afirma Renata Formoso.

Mesmo assim, a comunicadora conta que ela e o marido continuam falando português e Noah entende totalmente. “Se deixar, ele continua falando inglês, mas a gente sempre tenta ir contornando para que ele mude a chavinha para o português também e ele não se acostume a só escutar e não falar”.

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Renata ainda revela uma curiosidade: se Noah está falando com alguma avó no celular ou pelo computador, ele faz o maior esforço para achar e lembrar as palavras, porque ele sabe que as avósnão entendem o inglês. “Com a gente, ele percebe que a gente entende, então se ele falar em inglês ou em português, vamos entender, já com quem não entende, ele toma esse cuidado”, explica a comunicadora Renata Formoso.

A mãe de Noah também conta que ao notar que o filho estava com preguiça de falar português às vezes, se sentiu frustrada como mãe. “Se pra gente que somos dois brasileiros é difícil, imagina pras famílias que são multiculturais, às vezes a mãe é brasileira e o pai é de outra nacionalidade ou vice-versa, então tem muitas famílias e eu venho conversando com muitas famílias que passam pela mesma coisa”.

Renata Formoso e o filho Noah
Renata Formoso e o filho Noah

Em razão disso, no ano passado, em um dia de muita saudade da mãe, que Renata não encontrava há dois anos, a comunicadora escreveu o livro ‘Eu também falo português’, que retrata a história de Nina, uma menina que mesmo morando distante do país que é a raiz dela, o Brasil, ela lembra a importância de falar português para ter contato com a vovó.

“Ela vive exatamente o que o Noah vive, essa coisa de trocar as palavras, às vezes falar errado, todos esses desafios que é conviver com a saudade da família, porque pra uma criança é difícil entender por que ele não pode brincar com o primo a hora que ele quiser, que é só quando a gente vai pro Brasil, ainda mais nesse tempo que não sabemos quando a gente vai poder ir. Então, eu escrevi esse livro como um presente pro Noah, com a vontade que ele se identificasse com um personagem de livro infantil”, revela Renata Formoso.

O que Renata não esperava era que o livro fosse tão bem recebido por muitas famílias que moram no exterior. O livro já chegou a dois mil lares em mais de quarenta países.

Ao ser questionada sobre como Noah reagiu ao livro, a mãe do menino contou que ele adora e quer que ela invente o “Eu também falo espanhol” e o “Eu também falo inglês”. Além disso, Noah já escreveu o próprio livro. “O que ele aprendeu com essa história toda, na verdade, é que ele se identificou com um personagem 100%, ele se identifica 100% com a história da Nina e, além disso, ele percebeu que ele pode, simplesmente, escrever uma história e fazer com que isso se torne um livro infantil. É engraçado ver que, pra ele, é muito mais simples do que parece”, diz Renata.

Livro "Eu também falo português"
Livro "Eu também falo português"

Sobre o cotidiano de Noah, a mãe conta que ele “tem os amiguinhos da escola, com quem ele fala inglês, então ele chega da escola falando inglês já, direto, e é sempre aquele trabalho pra mudar”. A família também tem amigos brasileiros em Londres, que Renata explica que são como se fossem da família. “Nos primeiros cinco minutos quando eles se encontram [Noah e os amiguinhos brasileiros] eles falam português, mas depois mudam pra inglês. Mas depende da brincadeira também, às vezes a gente vai brincar com brincadeiras brasileiras, músicas brasileiras, aí eles mantêm”.

A comunicadora completa ao dizer perceber que a criança que nasce no exterior brinca no idioma local, então Noah pode sentir em português, mas brinca em inglês. “Pra ele é muito difícil, mesmo quando a gente vai brincar com ele, mudar, porque ele aprendeu a brincar em inglês, pra ele é mais natural”.

Assista aqui à entrevista completa com Renata Formoso

Renata também explica que tenta não “forçar muito a barra”, pois não quer que o português seja uma coisa forçada, mas que o filho goste, se divirta falando português, porque senão, quando Noah virar um adolescente, não vai querer mesmo falar. “A gente aqui em casa faz o possível para que o português seja uma experiência divertida e, na minha percepção, essa é a maior herança que eu posso deixar pro meu filho, é o português, as nossas raízes, a festa junina. São essas coisas que, se eu não passar pra ele, ele não vai conhecer”.

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A comunicadora finaliza ao dizer qual seria o seu conselho para as demais famílias de crianças bilíngues: “Pega leve, mas persista porque, lá na frente, a gente vai ver que vai muito além deles terem melhores oportunidades no mercado de trabalho, ser bilíngue não é só isso, é ter o contato com a nossa raiz, com a nossa conexão, pra quando eles chegarem no Brasil, se sentirem em casa também. Eu acho que esse sentimento vale ainda mais que as oportunidades no mercado de trabalho no futuro. Não é fácil, isso eu já posso dizer de antemão, mas tem muitos livros infantis, tem muita música brasileira de qualidade, música infantil, Palavra Cantada, várias bandas brasileiras que podem fazer essa experiência ser divertida e lúdica. Então o meu conselho é: me dá um abraço, vai ser difícil, mas vamos seguir em frente, porque vai valer a pena”.

Para os interessados, Renata Formoso lembra que, além do livro, ela tem uma página no Instagram, chamada “No caminho eu te explico” (@nocaminhoeuteexplico), em que ela dá muitas dicas sobre criação bilíngue e conta o dia a dia de sua família em Londres. A comunicadora também, junto com muitas famílias que moram no exterior, está com um projeto que chama “Língua do coração” em que será mostrada a realidade de várias famílias ao redor do mundo e como cada família lida com isso de uma forma única. “É ali que a gente vai trocar nossas experiências e, se você estiver passando por isso, você é mais que bem-vindo”, conclui Renata Formoso.

*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe

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