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Desromantização da maternidade: entrevista com Chris Couto

Em entrevista ao Papo de Mãe, a atriz Chris Couto dá detalhes sobre sua nova personagem "Baby" e explica a importância da desromantização da maternidade

Maria Cunha* Publicado em 10/03/2022, às 08h48

Na opinião de Chris Couto, a cobrança da maternidade é infinitamente maior do que a da paternidade - Arquivo: Série “Lov3” - Prime Video
Na opinião de Chris Couto, a cobrança da maternidade é infinitamente maior do que a da paternidade - Arquivo: Série “Lov3” - Prime Video

Chris Couto é atriz e faz a personagem Baby na série "Lov3'', do Prime Video. A produção conta a história de Ana, Sofia e Beto, três irmãos que experimentam o amor e o sexo de formas diferentes e caóticas. A forma que enxergam a vida muda ainda mais depois que sua mãe resolve abandonar o marido e um casamento de 30 anos.

Participante de três episódios, Chris faz a mãe desta família, dita como disfuncional. Ela conta que leu em algumas matérias, entrevistas e até, talvez, na própria rubrica, que Baby é uma mãe egoísta

"Eu discordo e eu sempre falo isso para os roteiristas. Eu vou defender a Baby até o fim dos meus dias, porque eu acho que ser mãe é algo muito precioso e eu acho que a gente faz o que consegue fazer com o que tem. Como mãe, eu entendo que a gente tenta sempre fazer o melhor dentro da sua medida, de cada medida", explica a atriz. 

Em razão disso, ela opina que uma pessoa que foi casada por 35 anos, como Baby, já criou seus filhos, o que não quer dizer que ela é responsável pelas atitudes deles. 

"Eu não concordo que ela é egoísta, talvez ela tenha tomado uma atitude mais egoísta, agora aos 60 anos, quando ela fala 'Não. Chega. Vão cuidar vocês da vida de vocês e eu vou cuidar da minha, porque eu fiquei muito tempo aqui nesse casamento' e sempre tem uma cobrança muito grande da mãe, eu nunca vejo essa cobrança pelo pai". 

Assista à entrevista completa com Chris Couto

A atriz exemplifica citando o caso do personagem Fausto, marido de Baby na série, que é interpretado por Donizeti Mazonas. Segundo ela, Fausto é um homem, um pai, totalmente omisso, que não tem atitude, é passivo e muito diferente de Baby, que dentro dessa configuração de mãe e pai e de sua família, sempre teve que tomar a frente das coisas e resolver. 

"Quem ia comer frango, carne moída, quem resolvia era ela. Se tinha que resolver se ia a pé, de carro ou de ônibus para escola, provavelmente, quem tinha que resolver era a Baby. Então, eu acho que todas as responsabilidades sempre caem em cima da mãe. Por isso, eu discuto um pouco essa questão do egoísmo", conta Chris Couto. 

Ela ainda afirma acreditar que os personagem dos filhos são ricos e muito profundos, já que todos têm questões como todos os seres humanos são e chegam com muita força e determinação, apesar de toda confusão e insegurança que possivelmente tenham. 

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Apesar de não ser egoísta, Baby é uma mãe tóxica?

"Eu não sei por que falam isso. Acho que é uma sobrecarga mesmo, eu não vejo isso como responsabilidade dela, eu acho que a Baby teve uma vida anterior a essa família que, possivelmente, numa segunda temporada, a gente consiga ver. Eu acho que ela, em um determinado momento da vida, parou de fazer as coisas que ela gostaria e foi viver a maternidade. Talvez, tenha virado uma maternidade tóxica, mas muito em função das questões dela. Eu acho acho que a gente, no fundo, acaba fazendo mal a nós mesmos".

Chris Couto também afirma que só da série abordar questões como um possível egoísmo materno e a cobrança da maternidade ser infinitamente maior do que a da paternidade, a produção já é importante para ela. A atriz tem quase 62 anos e ressalta que, provavelmente, tenha tido só agora a primeira oportunidade de fazer uma personagem que tenha questionamentos como mãe e como mulher aos 60 anos. 

"Eu acho incrível que esses roteiristas tenham escrito essa personagem com esse caminho para a gente poder falar e tirar todas essas máscaras. A responsabilidade não é só dela, eu acho que a responsabilidade é dessa conjuntura toda, da configuração dessa família", revela. 

Chris Couto na série “Lov3”
Chris Couto como a personagem Baby na série “Lov3”

A atriz, como Baby, também é mãe, mas diferente da personagem, sua filha Maria é uma pessoa com deficiência, o que tornou sua maternidade ainda mais especial. 

"A Maria nasceu com um problema cardíaco e fez quatro cirurgias. Na segunda, ela teve uma parada respiratória e ficou com um comprometimento motor e cognitivo que, ao longo dos anos, a gente percebeu. Então, eu tenho uma convivência muito próxima com a minha filha. Talvez até mais próxima do que deveria ser. Mas, a minha maternidade, para mim, é a luz da minha vida, é a minha direção é o que me dá o foco e o que me bota no chão".

Mesmo assim, a atriz revela como o papel na série mudou a sua perspectiva sobre a maternidade.

"Eu consigo ver a questão da maternidade em relação às minhas amigas, a maneira como elas têm as suas relações com seus filhos e tudo. Então, eu acho que a Baby serviu para abrir muitas coisas na minha cabeça. Agora, eu espero que a gente consiga abrir, também, muitas coisas nas cabeças das meninas, das garotas e das mulheres. A gente não tem que abrir mão da nossa vida em função da maternidade", enfatiza Chris.  

Ela também conta que uma das coisas que aprendeu é que é preciso ser mãe primeiro e depois amiga, ou seja, é possível exercer ambos papéis, mas é necessário hierarquizar. Ao mesmo tempo, Chris pontua que a ideia pode já estar ultrapassada e que sempre devemos buscar evoluir. 

"Graças a Deus o trem da história vai para frente, então a gente tem que ir junto evoluindo. Eu procuro sempre ficar aberta para esse tipo de coisa, para não me fechar em bolhas e não ficar muito certa de todas as coisas, eu acho que a gente tem que sempre se questionar sobre tudo e principalmente sobre isso. A maternidade é uma coisa tão importante".

A importância de desmistificar a maternidade perfeita 

"Ninguém é perfeito. Não existe. Pode ser pai, mãe, que for, não existe. Então, você ficar buscando uma coisa que não existe, é um sofrimento eterno, é você ficar ali só sofrendo. Seja livre e tenha consciência de que você está fazendo o melhor que você pode dentro das condições que você tem", afirma. 

Na opinião da atriz, é preciso pensar a todo tempo no que podemos fazer de melhor, nesse momento, com o que eu temos, em especial as mulheres. 

”As meninas têm que pensar muito nisso, principalmente nesse momento tão difícil que a gente está vivendo no Brasil, em relação às questões todas morais, de assédios e feminicídios. A gente tem sempre que se perguntar com quem a gente está se envolvendo, trocando as nossas ideias, a nossa energia, a nossa força, o nosso sentimento, isso é muito importante”. 

Além disso, Chris Couto revela acreditar que deveria ter muito mais educação sexual nas escolas para desmistificar tudo isso e tirar todos os véus, como o da mãe perfeita. 

“As meninas engravidam porque elas não são educadas na escola para entender o que que pode e o que não pode, e em todos os níveis, não apenas uma questão nas escolas particulares. Eu acho que a gente teria que popularizar todo tipo de educação, principalmente a sexual”.

O papel da arte e do teatro nas transformações sociais

A atriz da série "Lov3" também comentou sobre o potencial transformador da arte e reforçou que se as pessoas tiverem disponibilidade de ouvir a mensagem das produções audiovisuais e do teatro, é possível mudar a mentalidade. 

"Eu não sei se eles aprendem, mas eu acho que eles conseguem transformar alguma coisa dentro deles e, de pouquinho em pouquinho, a gente consegue olhar de uma outra maneira para as coisas. Então, eu acho que a arte tem muito poder, tanto que a gente está sendo altamente castrado nesse governo ideológico, mas a gente precisa acreditar que isso é possível e não deixar passar". (Chris Couto)

Chris ainda afirma que temos muita dificuldade em ouvir o outro. As mulheres, principalmente, são, muitas vezes, não escutadas. Em razão disso, é preciso valorizar quem se disponibiliza a ouvir alguma coisa diferente do que pensa, consegue raciocinar em cima disso e criar uma ideia própria sobre o assunto. 

"Eu acho que essas trocas internas vão fazendo a gente ser alguém um pouquinho melhor na vida. Nós mulheres, eu acho que a gente tem que pensar que o século XXI veio para trazer muitas mudanças, tirar todas as máscaras e véus de conceitos antigos, e eu acho que a gente poderia estar bem disponível para isso porque, como eu falei, o trenzinho da história vai para frente. A gente evolui, não vai para trás. Acho que agora não tem mais volta, as mulheres, as pessoas negras, as pessoas LGBTQIA + têm que ser ouvidas. Este é o século 21, estamos aqui e é nessa que a gente vai".

*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe 

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