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'De Criança Para Criança': o programa que está transformando o ensinar

Método que vem ganhando destaque internacional, o 'De Criança Para Criança' coloca os pequenos como protagonistas e leva o audiovisual para as escolas

Maria Cunha* Publicado em 22/07/2021, às 16h04

No 'De Criança Para Criança', a criança é protagonista e é estimulada a criar. - Arquivo 'De Criança Para Criança'
No 'De Criança Para Criança', a criança é protagonista e é estimulada a criar. - Arquivo 'De Criança Para Criança'

Em entrevista ao Papo de Mãe, o sócio e cofundador do 'De Criança Para Criança', Gilberto Barroso, conta a história e funcionamento do projeto, realizado a partir de histórias, desenhos e locução das crianças. O método que propõe uma nova forma de aprender e ensinar, revolucionando a educação, atua também na área da saúde.

O 'De Criança para Criança' é um método que busca revolucionar a educação colocando a criança como protagonista na hora de ensinar. É ela quem cria, desenha e realiza a locução das histórias do programa. Com isso, o projeto busca desenvolver habilidades do século 21, como liderança, cooperação e comunicação por meio do trabalho em equipe, além de objetivar que o aprendizado ultrapasse a fase escolar e contribua com as futuras profissões das crianças e a formação de cidadãos. A criança se identifica e a educação fica muito mais atrativa.

Atuando, hoje, em escolas públicas e privadas, a plataforma já possui versões em inglês e espanhol e tem conteúdo gratuito transmitido em canais infantis como o Zoomo. No YouTube do projeto há mais de 100 vídeos produzidos por crianças com os seus professores de temas diversos.

Recentemente, o ‘De Criança para Criança' ganhou destaque em um estudo internacional realizado pelo site Hundred e pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que dá visibilidade e reconhece o diferencial de projetos educacionais e inovadores. A escolha é justificada pelo‘De Criança para Criança' requerer baixa conectividade e por estar baseado no interesse universal pela contação de histórias.

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História do Projeto

Gilberto Barroso, sócio e cofundador do ‘De Criança para Criança', conta queVitor Azambuja, seu sócio e fundador do projeto, é um publicitário criativo que trabalhou em grandes agências e, um dia, o filho dele, na escola, desenhou um jogador de futebol. Vitor, então, pegou o desenho do filho e foi até a agência para animar, além de pedir ao filho que fizesse uma narração em cima disso. Surgiu, assim, a ideia de criar o ‘De Criança Para Criança’.

A partir disso, Vitor teve a ideia de criar histórias, feitas a partir do desenho de crianças, para outras crianças, o que levou ao nome ‘De Criança Para Criança’.

“O nome, pra mim, é muito feliz, eu acho que são poucos os nomes que dizem exatamente sobre o produto, o que ele faz e o que ele é. ‘De Criança Para Criança’ sintetiza isso tudo’”, conta Gilberto Barroso.

Após fazer alguns filmes, Vitor convidou Gilberto, alguém de negócios, para participar, unindo criatividade e gestão.

“Eu, na época, eu trabalhava no seguimento de TV por assinatura, e eu entendi que seria um excelente produto para distribuição na televisão com canais infantis, porque eu achava que a gente tinha descoberto uma grande forma de criar conteúdo gerado por crianças para outras crianças. Essa foi a primeira ideia”, lembra Gilberto.

A evolução do 'De Criança Para Criança'

A ideia do projeto evoluiu para a tentativa de criar uma espécie de Facebook, onde crianças do mundo inteiro poderiam criar histórias, fazer desenhos e locução. Mas, com o passar do tempo, Gilberto e Vitor perceberam que era necessário começar o projeto para depois conseguir ganhar o mundo.

Nesse contexto, precisando de crianças para trabalhar e criar histórias, os fundadores do ‘De Criança Para Criança' foram até a escola dos filhos e apresentaram o projeto para a diretora pedagógica da escola.

“Ela, quando viu a proposta, imediatamente, falou que pra educação era algo singular, fora do padrão. Como nem eu e nem o Vitor éramos da educação, a primeira coisa que a gente fez, eu como um bom vendedor, foi entender o mercado e o produto” (Gilberto Barroso)

Então, Gilberto e Vitor levaram o ‘De Criança Para Criança’ para o mundo. O primeiro grande evento foi na feira South West South Est (SESW), no Texas, Estados Unidos. Lá, Gilberto conta que um participante renomado na área da educação rasgou elogios ao projeto.

“Ele começou a fala dele dizendo que o que a gente estava fazendo era mais ou menos como ensinar um peixe a subir numa árvore”.

Gilberto completa ao explicar que a maneira como a educação é feita atualmente ainda está baseada nos padrões do século XIX. Entretanto, as crianças, hoje, são nativas digitais, o que ocasiona um choque muito grande.

O ‘De Criança Para Criança’, então, traz uma nova metodologia: o professor e o aluno estão em papéis diferentes, o professor deixa de ser o detentor do conhecimento e se torna um mediador, passando para as crianças, que deixam de receber o conteúdo passivamente e passam a criá-lo.

“Essa é uma mudança radical, tudo que foi criado, até agora, no universo infantil, foi criado por adultos: o desenho, o livro, foi algum adulto que escreveu, desenhou, dublou, às vezes tentando se passar por criança, tentando criar uma lógica infantil, mas eram adultos”.

Assim, a partir do momento que as crianças passam a desenvolver o conteúdo, há a mudança de uma ordem significativa, que foi invertida, antes vinha do adulto pra criança, agora é da criança pro mundo.

“Esse foi o grande impacto que a gente causou na educação e na geração de conteúdos. Então, a gente percebendo esse movimento, a gente entrou totalmente na área da educação, foi aprimorando a metodologia e desenvolvendo material de apoio”, explica o cofundador Gilberto Barroso

Como funciona?

A metodologia é simples: a criança cria uma história, dessa história, os responsáveis veem os desenhos que compõem aquela história, as crianças elaboram os desenhos e depois fazem a locução da história. Todo esse material é reunido e é recebido através da plataforma do ‘De Criança Para Criança’, que devolve pra instituição, seja ela uma escola pública ou privada, um desenho animado.

“Isso tem causado uma evolução muito grande, primeiro porque as crianças ficam apaixonadas por fazer um desenho, criar uma história, e depois ver isso na televisão, na internet, no celular, em qualquer lugar”, relata Gilberto Barroso.

O outro grande ganho comentando por Gilberto é que o conteúdo desenvolvido em aula, por exemplo uma animação sobre subtração, depois, ao ser apresentado para crianças da mesma faixa etária, será entendido perfeitamente, porque foi criado e desenvolvido por crianças da mesma faixa etária.

Além disso, se antes o que acontecia dentro da sala de aula ficava lá, agora o assunto é eternizado.

“Então, uma aula magnífica sobre o descobrimento do Brasil, que traz uma animação, vai servir pra outras crianças aprenderem também. A gente perpetua o conhecimento desenvolvido dentro da sala de aula”.

Uma nova forma de aprender

Gilberto ainda conta que, no percurso de entender a educação, se deparou com William Glasser, psiquiatra americano que passou a vida inteira estudando quais eram as melhores maneiras de ensinar e aprender.

“Ele chegou a conclusão, depois de muitos estudos, de que a maneira como as crianças aprendem hoje na sala de aula, mesmo lendo, desenhando e narrando, fica disassociada, a criança tem que decorar através de três processos e você retém só 35%”.

Na teoria de Glasser, a partir do momento que a criança é colocada para criar, também na mesma metodologia, criando, desenhando e narrando uma história, a retenção desse conteúdo já vai pra 85%.

Pirâmide de Glasser
Pirâmide de Glasser - Pinterest 

“Só por esse motivo, a gente já deveria aplicar isso em todas as escolas. A gente chegou a fazer quase 150 filmes por mês, é um número absurdo e a retenção é muito grande. Isso pra escola é muito bom, pro aluno é muito bom e pro professor é muito bom” (Gilberto Barroso)

O sócio e cofundador do ‘De Criança Para Criança’ reforça que o método não deseja ensinar os professores a fazer uma aula diferente, mas realizar uma capacitação e dar algumas dicas para que usem a maneira como já ensinam e consigam fazer uma migração muito pequena pra colocar a criança no protagonismo. Também serão ensinadas algumas técnicas de como fazer os desenhos, de como gravar a locução e como fazer as histórias.

“Tudo funciona através de um celular, não precisa mais do que isso, um celular, um tablet, um computador dentro da escola”.

O ‘De Criança Para Criança’ está 100% de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), abrangendo todas as competências, com foco na educação infantil e no ensino fundamental I e II.

Outras ações do 'De Criança Para Criança'

Além da aplicação nas escolas, a plataforma tem mais de 50 cartões, com desenhos feitos por crianças, prontos para serem usados como ferramentas de ensino, tanto pelos professores em sala de aula como pelos pais em casa, com conteúdos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental.

Há ainda o Enciclokids, onde todos os conteúdos desenvolvidos, ficam à disposição pra qualquer pessoa.

“Um professor que vai dar uma aula sobre operação básica, ele pode ver lá quantos filmes de matemática foram feitos para determinados anos, ele pode pegar um daqueles filmes e apresentar para os alunos ou usar aquilo como inspiração para criar o próprio dele”.

Também foi desenvolvido um curso de animação em que os alunos são ensinados a fazerem as animações igual a equipe do ‘De Criança Para Criança’.

“Imagina uma escola onde os alunos mais novos criam as histórias e os conteúdos e, ao invés de vir pra gente fazer a devolutiva da animação, os alunos da própria escola podem trabalhar e devolver pra própria escola as animações”, reflete Gilberto.

O O ‘De Criança Para Criança’ também atua na área da saúde, na qual trabalham com hospitais, como o do Graac, por exemplo.

“A gente foi lá pra devolver pra algumas pessoas algo que estava sendo feito dentro das escolas e acabou resolvendo oferecer pras crianças que estavam passando por tratamento. Um dia, a gente recebeu uma ligação do Sérgio Petrilli, que é o fundador do Graac, pedindo pra gente ir lá, onde a gente teve a mais grata das surpresas quando ele, super emocionado, falou que o que gente estava fazendo era uma terapia”. (Gilberto Barroso)

Petrilli revelou a Gilberto que as crianças chegavam no hospital derrotadas, tristes e sofridas por causa do tratamento e, a partir do momento que começavam a entrar no projeto de criar uma história e de desenhar personagens, resgatavam a vontade de viver pra ver o final do projeto, pra participar daquilo.

Isso estava trazendo um resultado muito bom, tanto na cura, como na diminuição da recorrência, o que fez com que o ‘De Criança Para Criança’ fosse mantido no Graac e estendido para outros hospitais.

‘De Criança Para Criança'
O ‘De Criança Para Criança'

O projeto é voluntário?

Gilberto explica que o projeto é parte de uma empresa que visa lucro, mas há o princípio de cobrar uma vez só, ao aplicar o método nas escolas, por exemplo.

“A gente cobra pra fazer a aplicação, isso remunera toda nossa estrutura, e quando a gente coloca esses conteúdos em todas as mídias, a gente não cobra, porque a gente entende que aquilo foi criado no ambiente pra gerar conteúdo e não pra ser vendido e gerar lucro”.

Para escolas públicas e hospitais, o sócio e cofundador do ‘De Criança Para Criança’ explica que muitas empresas privadas compram créditos para que o método seja aplicado nesses locais.

Gilberto Barroso ainda reforça que há no site diversos produtos vendáveis.

O 'De Criança Para Criança' para Gilberto

“Eu acredito muito na verdade, a gente fazer algo que tem o marketing em cima, mas que não deu resultado bacana, não me deixaria satisfeito. Agora, é diferente quando a gente vê o resultado, a retenção do conteúdo dentro da sala, a alegria das crianças em participar, a vontade de participar desse tipo de processo. Quando a gente vai no Graac e vê o fundador falar que o que a gente está fazendo está melhorando a vida das crianças, isso é muito gratificante. Não tem como o olho não brilhar”, conclui Gilberto Barroso.

Assista à entrevista completa com Gilberto Barroso sobre o 'De Criança Para Criança'

*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe

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