Papo de Mãe
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A culpa materna e como lidar

A psicóloga Kênia Braga dá dicas para mães que não suportam mais o peso da culpa.  Muitas mulheres adoecem com expectativas de perfeição e comparações

Kênia Braga* Publicado em 26/06/2021, às 00h00

Mães que perdem a saúde mental e a qualidade de vida.
Mães que perdem a saúde mental e a qualidade de vida.

As mães possuem grande dificuldade em lidar com as exigências que perpassam sua vida pessoal, social e conjugal, mas o medo de serem julgadas, ao entrarem em contato com sentimentos negativos na maternidade é um dos fatores que mais as assombram e as levam para a culpa. As mulheres, definitivamente, não falam sobre os sentimentos negativos ou tudo aquilo que, permanece oculto e negado no discurso social, mantendo assim, a visão idealizada da maternidade.

Poder falar livremente sobre aspectos da experiência da maternidade normalmente, negados e censurados, possibilita a diminuição da angústia e da culpa. Grande parte das mães sente culpa quando está no trabalho, quando pratica esporte ou outras formas de autocuidado, quando sai para jantar com o marido ou um café com amigas; muitas monitoram tudo pelo telefone, quando estão em alguma interação interpessoal fora de casa, mas não conseguem focar e manter a mente no presente, aproveitando a experiência. Quando estão em casa, elas dormem pouco e ficam em estado de vigília, iniciando o dia exaustas.

As mães sentem-se responsáveis pela realização e felicidade dos filhos em todas as fases de desenvolvimento da criança e preocupam-se com o futuro, entendendo que não podem delegar a educação deles para outros, antecipando a culpa recorrentemente. A maioria sente culpa excessiva, até mesmo as mães que tiveram os filhos planejados, aquelas que esperaram a carreira se solidificar para se casarem e terem os filhos. Elas se sacrificam para fazer tudo certo, serem produtivas, mães presentes, esposa parceira, mulher bonita, inteligente e malhada... e esquecem muitas vezes de ir ao banheiro, beber água ou fazer algo básico por si mesma. Sim, estamos falando de um cenário bem dramático, de profundo sofrimento psíquico, que leva muitas vezes ao esgotamento e compromete a saúde mental da mulher. 

A culpa é tão esmagadora e atuante na vida materna que deflagra nas mães quadros de psicopatologias importantes como a depressão e a ansiedade, e o efeito dominó disso é uma rotina desequilibrada, relações interpessoais comprometidas, autocuidado depreciado, autoestima reduzida, e tudo isso já é visto como algo natural da maternidade... A boa notícia é que esta situação ameaçadora promovida pela culpa é absolutamente contornável com o entendimento desta dinâmica disfuncional e o tratamento certo.

Reconheça o sentimento de culpa

A culpa é um sentimento natural e desconfortável que é deflagrada quando percebemos que falhamos em algum objetivo ou quando prejudicamos alguém, esse desconforto nos motiva a reparar o dano e somos desafiados a escolher melhores comportamentos numa próxima experiência. Estudos demonstram que a culpa referente a parentalidade pode ser positiva, devido a possibilidades de as mães escolherem melhores formas de reagir a uma situação posterior e reparar a relação com os filhos. 

A culpa possui um propósito de desenvolver uma maior coerência entre nossos comportamentos, expectativas e valores, mas referente a culpa materna, as expectativas são inalcançáveis e os valores são irreais, portanto é incapacitante e frustrante lidar com esse sentimento sem compreendê-lo bem, então vamos refletir mais sobre a natureza da culpa neste artigo e  aprender sobre as estratégias de enfrentamento e gerenciamento emocional. 

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Cuidado com as comparações


Existe um movimento de competitividade neurótica que reforça a pressão e a culpa nas mães, elas costumam manter uma conversação disfuncional acerca das atividades irreais que precisam cumprir no dia e comparando sua produtividade e também o desenvolvimento de seus filhos, muitas chegam na cadeira de terapia totalmente liquidadas e exauridas emocionalmente e quando começam a acessar a si mesmas e compreender suas emoções, dizem que foram resgatadas da morte, que haviam se anulado e se sentiam anestesiadas; outras relatam que possuem medo de ficarem sozinhas quando o filho for embora, mas que iriam finalmente descansar e ter um tempo para si mesmas. Elas referem que estavam exausta de tentar viver de acordo com as normativas sociais e crenças do senso comum de serem vistas como mães perfeitas, e mesmo sabendo que existia algo muito errado, ficavam reféns deste modelo mental obsessivo porque não sabiam como solucionar estas crenças persuasivas.

Algumas procuram a terapia  com a queixa de anedonia, incapacidade de sentir prazer em atividades normalmente agradáveis, mas a maioria das mães procura a terapia por não suportarem mais o peso da culpa. Em pouco tempo de terapia elas compreendem que é comum cometer erros, e que é naturalmente importante terem um tempo de qualidades para si mesma. 

A experiência e a reflexão acerca do gerenciamento emocional e comportamental irá contribuir para que adquiram habilidades de maternidade com maior conforto mental e sem falsas culpas, é como se elas pudessem reviver, é mesmo um momento libertador e muitas comparam a experiência do novo ser a um milagre, e trocam as lentes do desamparo apreendido que elas carregavam ao longo dos anos.

A culpa é normal é inerente a maternidade

As mães adoecem com essas expectativas de perfeição. Elas precisam de algumas sessões para se desfazerem das crenças de super poderes, no momento em que se tornam mães, e aprendem que não são capazes de fazer mil coisas no dia e manter a saúde mental, aprendem a lidar com a idealização e administrarem as culpas fantasiosas de que a criança irá traumatizar por falta de habilidades da mãe, por exemplo. Elas aprendem que quando o filho nasce, nasce com ele a culpa e que existe como gerenciar esta e outras emoções negativas e recuperar o controle de suas vidas.

É muito importante que adquiram maior consciência dos estados mentais negativos automáticos e dos pensamentos disfuncionais que acompanham a maternidade, e que aprendam a gerenciar os sentimentos mais intensos, a necessidade de proteger os filhos de tudo, e de estar em constante aproximação. Algumas mães não conseguem deixar os filhos na escola com autocontrole emocional e passam para eles toda a ansiedade da separação.

Aprenda a administrar a culpa materna


Muitas mães têm dificuldade de lidar com tal sentimento, mesmo reconhecendo que ele é improdutivo e irreal. É essencial que as mães façam psicoterapia ou frequentem grupos de orientações psicológicas para mães, para que compreendam que todas as pessoas são imperfeitas, e que estão lidando com uma expectativa irrealista de perfeccionismo. Posteriormente a autoaceitação de suas inabilidades, é importante aprenderem a administrar a frustração inevitável e construir habilidades para se tornarem menos reativas e mais disponíveis emocionalmente para a conscientização de seus filhos, com limite afetivo. Na terapia também irão aprender a gerenciar os sentimentos de inadequação, construir novas habilidades com conforto e segurança emocional, adotar uma postura mais gentil e realista em relação a si mesma, ou seja, lidar com os desafios da parentalidade sem perder a saúde mental e a qualidade de vida.

Compreender e elaborar a culpa, flexibilizando a autocrítica excessiva é fundamental para que ela não evolua para uma culpa crônica. A auto compaixão é outra habilidade, aprendida na psicoeducação na terapia cognitivo comportamental, nesta abordagem de psicoterapia, ensinamos as mães a responderem com maior gentileza as suas faltas e aprenderem a gerenciar seus pensamentos emoções e comportamentos frente as pressões internas e metas irreais, ao invés de viverem assombradas pela culpa. 

Uma forma saudável de compreender a culpa é entende-la como a capacidade de se colocar no lugar do outro como um pré-requisito para sentir culpa, desta forma compreendemos que nos relacionamentos mais próximos à culpa é muito mais recorrente devido ao fato de estarmos mais atentos ao bem-estar do outro. Os problemas relacionados com a culpa crônica e o sentimento de incompetência enquanto pais certamente se aplicam tanto à maternidade quanto à paternidade, no entanto, a pressão social para ser uma mãe perfeita é muito maior do que a pressão sobre a paternidade... É mais comum que as mulheres tenham essa carga de culpa patológica porque existe uma pressão social muito maior na maternidade quanto à paternidade. 

A psicoterapia, traz maiores reflexões e discussões* sobre o papel da família e da sociedade na formação dos filhos e contra condiciona a visão errônea desse instinto materno. A abordagem mais eficaz para trabalhar os conflitos da maternidade é a terapia cognitivo comportamental porque ela ensina habilidades importantes para a prática da maternidade, desenvolvendo a autoestima e autoconfiança materna, cria estratégias de pilares de saúde (sono, alimentação, esporte, rotina saudável, sociabilidade saudável, autocuidado, metas realísticas), promove a conscientização e assertividade na formação dos filhos, favorece a auto compaixão e aceitação das inabilidades dos outros, aumenta a plasticidade neuronal para novos desafios, desenvolve a comunicação assertiva, constrói comportamentos mais adaptativos frente a dinâmica familiar, possibilita o autoconhecimento e o aumento da energia mental, preveni e  gerência crises de estresse ou ansiedade, traz autonomia, autorregulação e desenvolve o autocontrole, possibilitando  maior saúde mental e global, e maior qualidade de vida, além de favorecer gerenciamento emocional e comportamental. 

*Kênia Braga é empresária e psicóloga pós-graduada em psicologia cognitivo comportamental.  Fundadora e diretora da Vivapleno, empresa de Saúde Mental e Desenvolvimento Humano Integrado - Psicologia Clínica e Organizacional.

www.vivapleno.com.br 

Instagram: @vivapleno

Assista ao Papo de Mãe sobre culpa. 

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