Papo de Mãe
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Justiça de MG determina que Vivi, adotada há 6 anos, seja entregue à avó paterna

Famílias com filhos adotivos estão indignadas com a decisão e com medo

Mariana Kotscho* Publicado em 25/02/2021, às 00h00 - Atualizado em 26/02/2021, às 00h04

Vivi com a família adotiva - (Foto: Arquivo Pessoal / Reprodução)
Vivi com a família adotiva - (Foto: Arquivo Pessoal / Reprodução)

A família adotiva de Minas Gerais que luta para conseguir a guarda definitiva da menina Vivi, de 9 anos, sofreu nesta quinta-feira, dia 25, mais uma derrota na justiça. O Tribunal de Justiça do Estado (MG) decidiu mais uma vez que a menina deve ser entregue à avó paterna, negando recurso apresentado pelos pais adotivos. Vivi está há 6 anos com Carolina e Manoel Bella, que entraram com o pedido de adoção depois de a justiça entender que haviam se esgotado as possibilidades de reinserção na família biológica (os pais biológicos tiveram o poder familiar destituído). Vivi chegou a passar um ano num abrigo.

Normalmente a família adotiva fica com uma guarda provisória e a adoção definitiva deveria sair em, no máximo, 120 dias. O pai biológico de Vivi está preso pelo assassinato do próprio pai, avô da menina, e devido à pandemia segue em prisão domiciliar com esta avó.

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A defesa da família adotiva agora deve recorrer a instâncias superiores. A decisão ainda deve ser publicada no Diário do Judiciário eletrônico do TJMG e não ficou claro se a menina já deve ser entregue imediatamente à avó.

Vivi e os pais adotivos, com quem vive há 6 anos
Campanha #FicaVivi ganha força nas redes sociais. (Foto: Arquivo Pessoal)

Famílias com filhos adotivos que ainda não tiveram o processo de adoção concluído estão preocupadas com a decisão. Um casal, que prefere não se identificar, está numa situação parecida com a de Carol e Manoel: eles têm 4 filhos adotivos, que são 4 irmãos entre 10 e 14 anos, e há 6 anos também aguardam pela conclusão do caso. A mãe adotiva das crianças, chorando,  fez um desabafo: “Eu estou muito nervosa. Pra gente do universo da adoção, tá todo mundo em pânico. Meu caso mesmo ainda vai ser julgado. Essas crianças foram retiradas da família por maus-tratos. Agora a gente não sabe, eu fico imaginando meu caso daqui a pouco sendo julgado. O que eu falo pros meus filhos? Fico pensando o que eles vão falar para a Vivi? É uma decisão cruel, incabível e fora da determinação da lei”.

Entenda o caso

Foi em novembro do ano passado que Carolina e o marido, Manoel Bella, receberam uma notícia devastadora: o Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia determinado que a família entregasse a filha adotiva à avó biológica. A menina, de 9 anos,  está com o casal desde 2015, sob guarda provisória para fins de adoção. “É como se o processo falasse de uma propriedade e não de uma vida. É uma decisão brutal”, conta Carolina.

Para contextualizar a história é preciso voltar 10 anos atrás, quando o casal, após uma série de processos exigidos pelo Ministério Público e Vara da Infância, foi habilitado para adotar uma criança. Em 2014, o telefone tocou – este momento é emblemático na vida dos casais na fila da adoção – e Carolina e Manoel foram chamados para conhecer Vivi, que estava há um ano no abrigo e tinha apenas 3 anos.

A menina de pouca idade já traz uma história de vida com muitas adversidades. Ainda bebê, ela vivia num ambiente com maus-tratos e os pais perderam a guarda da filha quando ela tinha 2 anos. A mãe biológica depois disso não teve mais contato com a filha e o pai foi preso por assassinar o próprio pai, avô da menina. O conselho tutelar chegou a intervir após as denúncias de violência contra a menor, mas não foi o suficiente. Ela foi direcionada a um abrigo, onde ficou por um ano.

O processo de análise da destituição do poder familiar é obrigatório e todas as famílias adotivas, que aceitaram uma criança que ainda estava sob o poder da família, devem passar. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o prazo máximo para a duração do procedimento de suspensão ou destituição do poder familiar é de 120 dias. Entretanto, a realidade é que esses prazos não são cumpridos. No caso da pequena Vivi, foram quase 6 anos de convivência e criação de vínculos com a família adotiva, sem o poder destituído definitivamente. Agora, o casal luta para conquistar a certidão definitiva da menina.

Para a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), respeitar os prazos é priorizar os direitos das crianças e adolescentes. “Juízes tomam decisões biologistas, em favor dos laços de sangue, mas em detrimento da qualidade de vida deste menor de idade. Crianças são sujeitos de direito e não objetos”, afirma.

Outro fator que causa lentidão nos processos de adoção é o número insuficiente de Varas da Infância e Juventude. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 12,2% das Varas brasileiras são dedicadas exclusivamente a estes assuntos.

Segundo o Provimento 36 de 2014, uma espécie de ofício, deliberado pela corregedoria, os Tribunais de Justiça devem instalar varas de competência exclusiva em matéria de infância e juventude em comarcas que atendam mais de 100 mil habitantes.

Toda esta batalha na Justiça causa danos ao psicológico da criança, que já vivenciou uma série de rupturas desde pequena. O ambiente de violência em casa, a separação da família biológica e, depois, a ida ao abrigo. Para Simone Trevizan de Goes, psicóloga judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a instabilidade pode levar a criança a sentir culpa e desconfiança. “Crianças que vivenciam este tipo de trauma podem pensar que fizeram algo de errado, o que não é verdade. Elas apenas estão no meio de uma batalha dos adultos que decidirão seu futuro. Além disso, dentro deste contexto, as crianças podem se sentir desconfiadas em um lugar em que criaram vínculos”, explica.

A psicóloga avalia que a morosidade do processo e a decisão abrupta de devolução à avó também podem causar muito desgaste ao casal. “Esta situação gera descrença no processo, insegurança e sofrimento aos envolvidos”, afirma a especialista. “É importante não acirrar o conflito e priorizar o bem estar da criança”, finaliza Simone.

O casal criou um formulário com o link da petição #FicaVivi que já conta com mais de 330 mil assinaturas. Clique aqui para saber mais.

O outro lado

A reportagem do Papo de Mãe tentou contato com a defesa da avó biológica da menina, mas não obteve retorno. Caso a avó queira falar, é só entrar em contato pelo e-mail [email protected]

*Mariana Kotscho é jornalista e apresentadora do Papo de Mãe

Assista ao programa do Papo de Mãe sobre adoção:

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