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Parentalidade e as novas configurações familiares

“Na cultura humana a procriação biológica e a relação genitor-pai e genitora-mãe não coincidem necessariamente”: um artigo da psicanalista Eva Wongtschowski sobre as novas famílias

Eva Wongtschowski* Publicado em 01/02/2021, às 00h00

O casal Gustavo e Rogerio com a filha Alice
O casal Gustavo e Rogerio com a filha Alice

As palavras maternidade e paternidade foram pouco a pouco sendo substituídas pela expressão parentalidade. Isso se deve às novas formas de organização familiar que começam a ser estudadas pela antropologia, sociologia, psicanálise.

Na cultura humana a procriação biológica e a relação genitor-pai e genitora-mãe não coincidem necessariamente.

Sexo biológico e gênero não coincidem. Nem sempre coincidem. O primeiro se refere a anatomia propriamente e gênero diz respeito a construção sócio cultural sobre o que se entende que seja masculinidade e feminilidade. Portanto, muda com o tempo e com as transformações culturais. A sexualidade não se reduz a fatores biológicos ou genéticos e se apresenta de modo múltiplo e diverso.

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O nascimento e a filiação (inserção da criança em uma organização simbólica) nem sempre vem juntos. Responsabilizar-se pela criança, cotidianamente, oferecer um berço psíquico, sustentar o lugar de interesse comum não tem relação direta com o sexo e a anatomia das pessoas envolvidas.

A heterossexualidade era considerada “natural”, mas foi desde sempre uma construção imaginária, por determinações políticas e sociais. Entre outros temos a homossexualidade feminina e masculina. Temos o trans homem e a trans mulher, homo ou heterossexual.

As novas formas de organização familiar indicam que as regras tradicionais estão mudando e têm sido acompanhadas, não poucas vezes, de dúvidas e temores, e por outro lado de novas possibilidades de realização pessoal.

A moral cristã e as práticas consideradas pagãs (concubinato, divórcio) sempre existiram. O parentesco, a ideia de pai e mãe variam muito e são determinadas por questões históricas e contingentes. O modelo predominante que conhecemos hoje não é o único capaz de sustentar a ordem social e oferecer condições para que seus membros se desenvolvam de modo a se tornarem cidadãos que compartilham das regras de civilidade.

Assim como as famílias hetero parentais, as homo parentais, monoparentais, adotivas, recompostas são formas de expressão e manutenção de ligações afetivo sexuais. Temos também novas formas de gestação e procriação como as gestações de substituição, óvulo doação, procriação com doador de espermas, embriões congelados.

Os modelos familiares passam por remanejamentos e novas significações. Do ponto de vista da constituição psíquica e social não existe nenhuma evidência que um modelo familiar seja mais ou menos problemático, gere crianças mais ou menos saudáveis . Toda criança deve necessariamente ser adotada, não importa a forma como foi gerada. Tudo vai depender do modo como a criança é recebida e acolhida e seus cuidados sustentados e de que se deem as operações psíquicas necessárias para oferecer ao bebê condições de se tornar sujeito, de se humanizar.

Os investimentos amorosos de cuidado, acompanhamento, responsabilidade devem garantir a transmissão do nome, de leis culturais, da língua, dos hábitos , de um lugar na linhagem familiar e garantir ainda a possibilidade da criança se dirigir para além da família.

As novas formas de organização da família envolvem o risco de como seus herdeiros serão recebidos pelo entorno: escola, casa de amigos, clubes. É um trabalho conjunto, de todos e de cada um, transformar nossos ideais de família e visão do humano.

Eva Wongtschowski

*Eva Wongtschowski é psicanalista

www.gamp21.com.br

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