Papo de Mãe

Setembro Azul para alguns, Setembro Surdo para outros

SER SURDO vai muito além de saber Libras, é sentir na pele nossas dificuldades, ver o preconceito bater em sua porta e mesmo assim persistir em buscar sermos aceito mesmo com nossas diferenças, quando celebramos o setembro surdo não dizemos : “ celebramos a surdez...”

Roberta Manreza Publicado em 10/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 09h57

Imagem Setembro Azul para alguns, Setembro Surdo para outros
10 de setembro de 2020


Por Diogo Ferreira da Silva, professor de Sociologia /Colégio Seli,  pós-graduando em Libras -FMU e Educação de Surdos – Anhanguera e surdo

Em algum momento você deve ter visto algo relacionado ao mês de setembro “azul” em algum lugar seja por meio da internet nas redes sociais ou na escola, no trabalho por algum conhecido que possa ter comentado sobre esse mês tão importante para comunidade surda e caso ainda não conheça o termo “comunidade surda” deixe me explicar é referente a todas as pessoas envolvidas com a Libras – Língua Brasileira de Sinais e por consequência com seus falantes nativos: os Surdos.

Diferente do que muita gente pensa a comunidade surda não é somente de pessoas Surdas mas também daqueles chamados “ouvintes” isso é que são professores, intérpretes, pais e familiares usuários da Libras.

Então para essas pessoas Setembro “Azul” tem um impacto maior afinal é um mês em que muitas datas importantes, como a fundação da primeira Escola para surdos do Brasil : INES – Instituto Nacional de Educação dos Surdos qual foi fundada em 26 de Setembro de 1857 que possibilitou a vinda da França o  professor Surdo Ernest Huet trazendo consigo a Língua de Sinais que mais tarde seria a base para a Libras que conhecemos atualmente e justamente nessa data que também celebramos o Dia do Surdo.

INES – Instituto Nacional de Educação dos Surdos

Fonte:https://m.facebook.com/INES.gov.br/

E nos dias 23/09 se comemora o dia internacional da Língua de Sinais sendo no que no dia 30/09 é possível comemorar o dia do tradutor onde podemos prestar nossa enorme gratidão a todos os intérpretes e tradutores da língua de sinais.

Mas por outro lado esse mesmo mês de setembro nos permite revisar alguns dos capítulos mais tristes da comunidade surda entre o período de 06 e 11 de Setembro de 1880 foi realizado o Congresso de Milão onde aos surdos foi imposto o método oralista que provinha da Alemanha  e sendo assim a língua de sinais que seria um método da França foi deixada de lado na educação dos surdos, essa história mudaria alguns anos depois mas não sem antes deixar grandes sequelas na educação e convívio social do surdo afinal sua construção de  identidade passava muito por sua língua que com o método oralista privava o surdo de conseguir desenvolver uma identidade social, atualmente com o advento da tecnologia surdos poderiam adquirir novas formas de ouvir ainda que não façam parte da comunidade surda, são em essência surdos.

Fonte : www.letraslibras.ufpr.br/o-congresso-de-milao

Agora que sabemos que o mês de setembro é extremamente importante para a comunidade surda por que a cor azul ?

Na verdade a cor correta seria azul – turquesa que foi  primeiramente citada por Liisa Kaupinnen, surda da Finlândia no XIII World Congress of the Wolrd federation of the Deafem Brisbane, Austrália no ano de 1999.

Em que ela se refere que o uso da fita azul ( BLUE Ribbon) reforçado na pesquisa de Doutorado de Paddy Ladd, também surdo e de origem inglesa:

“ Essas experiências e crenças estão contidas fortemente no símbolo da fita azul- turquesa que representa a memória daqueles que tem sofrido opressão e a cor azul – turquesa foi dada as pessoas surdas pelos nazistas (…) Usar a fita azul – turquesa não é apenas em se empenhar em manter viva a memória de todos aqueles que sofreram  opressão  mas estar comprometido com a causa de todos aqueles que ainda estão sofrendo opressão em nossos  dias. E isto é se obrigar a comprometer a lutar e terminar essa opressão agora a favor de todos os Surdos do mundo e daquelas crianças surdas que estão para nascer” (LADD,2003, p.470- 471)

Deafhood : contribuições de Paddy Ladd a Educação Bilingue dos Surdos Lopes Terceiro, Francisco Martins – Curitiba – 2018 p.125

Então como podemos ver sabemos que a cor correta seria azul – turquesa e não somente qualquer cor azul, mas fora isso se torna um mês em que ainda buscamos cada ver mais novas conquistas que possa vir ser comemorada justamente com a Lei Brasileira de Inclusão ( LBI) , Lei da Libras e por manutenção de escolas Bilíngues voltadas para o ensino de surdos, ainda que nossas conquistas devam ser comemoradas temos muito ainda pelo oque lutar como bem disse Paddy Ladd : pelas crianças Surdas que ainda estão para nascer…

Celebramos o passado, mas olhamos o futuro em que como pessoas surdas possam enfim tomar seus lugares, não como pessoas com uma deficiência, mas como pessoas que se orgulham de lutar por sua identidade Liisa e Paddy deram algo possível de se imaginar, nos deram uma cor e uma bandeira por qual sempre buscamos em nosso anseio , definiram o conceito de  SER SURDO em outro nível, já tínhamos esse sentimento mas agora podemos transmitir esse sentimento em uma cor e podemos comemorar em uma data.

Muitas instituições que tem pessoas surdas promovem nesse mês vários encontros, palestras e  confraternização entre seus integrantes surdos, como por exemplo a Associação dos Surdos de São Paulo que busca promover eventos com os surdos do município de São Paulo mas que devido a pandemia do Coronavirus irá apenas promover encontros virtuais, que mantém acessa a chama de que ainda podemos ter muito a realizar nos permitindo não só ir ao “baile” mas ir “dançar” como diria Verna Myers executiva da Netflix em uma recente palestra.

SER SURDO vai muito além de saber Libras, é sentir na pele nossas dificuldades, ver o preconceito bater em sua porta e mesmo assim persistir em buscar sermos aceito mesmo com nossas diferenças, quando celebramos o setembro surdo não dizemos : “ celebramos a surdez…”

Mas sim afirmamos que nossa identidade surda  é que nos permite ser ainda mais fortes quando sabemos que não estamos sozinhos que nossas conquistas no passado, no presente e no futuro tem várias mãos envolvidas de Huet a Paddy e Liisa…

E outros milhares de personagens surdos, juntos construímos novas possibilidades.

Fonte : Instagram: assp.oficial

Mas a luta é diária, não basta comemorar somente em setembro, temos que levar a luta e nossos sonhos os meses subsequentes para manter acessa a luz para gerações futuras Setembro Azul para alguns, mas para outros é legítimo afirmar que é um Setembro Surdo   e que nele temos a oportunidade de mostrar ainda que pouco.

Celebramos nossa identidade.

Celebramos nossa língua.

Celebramos nossas conquistas.

Mas acima de tudo celebramos nossa comunidade, tão diversa que nela podemos abrigar todas as pessoas que se identificam com a luta dos surdos, seu lugar de fala, protagonismo e para combater também o capacitismo tão presente em nossa sociedade.



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