Bullying: até quando?
23 de novembro de 2016Por Prof. Dr. Mario Louzã, psiquiatra e psicanalista
Como saber se seu filho está sendo vítima de bullying? Primeiramente, saiba o que é o bullying. O problema envolve um comportamento agressivo (seja por palavras ou atitudes), repetitivo, feito por alguém que exerce algum tipo de poder ou intimidação sobre outra pessoa do mesmo nível hierárquico (diferente do assédio moral, quando é exercido por alguém de nível hierárquico superior sobre um subalterno).
O comportamento de domínio é muito frequente em animais que vivem em grupos: tipicamente, o macho-alfa exerce um poder sobre os demais machos, determinando uma hierarquia/ordem social no grupo. Entre os seres humanos, esse comportamento foi sendo inibido à medida que foi se constituindo a civilização humana. Em certo sentido, os humanos estabelecem um “acordo” em que a hierarquia e as regras são respeitadas, seja pelas leis impostas pela sociedade, seja por um acordo implícito entre as partes.
Só que, na prática, essa interação é bem mais complexa, pois envolve personalidades e temperamentos diferentes. Pensando no modelo da psicanálise freudiana, o ID representaria a instância instintiva, presente já no nascimento, e exercendo seu impulso “indiscriminadamente”. Aos poucos, especialmente na fase de elaboração do complexo de Édipo, a criança incorporará limites dentro de si mesma, o que virá a constituir o SUPERGO, a instância psíquica moral do ser humano, responsável pelo controle dos impulsos do ID. Por sua vez, estas duas também serão mediadas pelo EGO, que funcionaria como uma espécie de gestor de ambas frente à REALIDADE. As características de cada indivíduo de certo modo serão responsáveis pela maneira como este interagirá socialmente.
As crianças, obviamente, não nascem sabendo de tudo isso. É preciso ensiná-las a respeitar limites e os demais seres humanos. De certo modo, elas aprendem a domar seus próprios instintos e desejos, inclusive o de dominar seus pares. Este é um dos papéis fundamentais dos pais, os primeiros e mais importantes modelos que a criança toma para aprendizado das regras sociais. É importante lembrar que cada criança, desde cedo, começa a demonstrar seu temperamento e suas características de comportamento: umas mais tímidas, outras mais extrovertidas… E essas características serão moldadas ao longo do tempo, conforme o ambiente familiar e social. Aspectos culturais também devem ser levados em conta. Especialmente em relação aos meninos, que são cobrados desde cedo a se tornarem corajosos e fortes no contexto social ao qual pertencem.
Vale lembrar que a função das escolas é ensinar, e não educar. Essa responsabilidade é dos pais. É bastante frequente que os pais se abstenham deste papel e deleguem às escolas uma função que não é delas. Se uma criança não tem capacidade de se conter e respeitar os colegas (e de se fazer respeitar), trata-se de um problema já instalado, provavelmente originado da educação em casa. Será preciso que os pais mudem seu modo de lidar com a criança, tentando corrigir o que não foi ensinado no momento certo. Muitas vezes, é necessário que os pais procurem orientação/psicoterapia para que seja possível rever os limites da criança.
As vítimas de bullying, em geral, tem algum tipo de característica de fragilidade ou vulnerabilidade que as faz ser tornar alvo do intimidador (“buller”). Pode ser algum aspecto físico (a criança “gordinha” ou “baixinha”, por exemplo) ou psicológico (a criança “tímida” ou mais “infantil”, em comparação com as demais). As vítimas do bullying têm vergonha de contar o que estão sofrendo. Cabe aos pais detectar as mudanças no comportamento da criança (não querer ir à escola, mostrar-se triste ou angustiada quando chega a hora de ir à escola, não demonstrar interesse em participar das atividades no recreio, entre outras).
Um aspecto particular do bullying que tem se tornado muito preocupante e atinge mais especialmente os adolescentes é o “cyberbullying”. Trata-se do bullying exercido através do uso da internet, através do uso de redes sociais (por exemplo, Facebook) ou de sistemas de comunicação de grupo (por exemplo, WhatsApp). Frequentemente, estão associadas a “sexting” (fusão das palavras “sex” e “texting”), a troca de mensagens, fotos ou vídeos de conteúdo erótico explícito através do celular. Em situações extremas, nas quais uma pessoa tem uma situação íntima exposta publicamente a milhares de pessoas, as vítimas têm, infelizmente, chegado a cometer suicídio. As meninas costumam ser as principais vítimas.
As abordagens para manejo tanto do agressor quanto da vítima são, principalmente, de base psicoterápica. Para o “buller”, o trabalho envolve amenizar seu comportamento agressivo. Já para a vítima do bullying, a terapia ajuda a superar a dificuldade de se expressar e se defender. Em ambos os casos a orientação ou terapia dos pais é indicada, uma vez que estes muitas vezes se sentem “perdidos” e não conseguem lidar adequadamente com seus filhos.
*Prof. Dr. Mario Louzã é médico psiquiatra e psicanalista, doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg, Alemanha. (CRMSP 34330).
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Assista ao Papo de Mãe sobre Bullying:
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Sinceramente ando cansado dessa conversa de “a escola não tem responsabilidade”. É evidente que a responsabilidade de educar é dos pais. Mas enquanto responsáveis pelo estudante no ambiente escolar, a escola não tem o direito de permitir a “deseducação” ou, ainda, o trauma psicológico que algumas situações podem desencadear numa criança em formação. Vamos pensar num aluno que aprendeu dentro de casa a respeitar os colegas e o ambiente escolar. Ele também pode ser o alvo daqueles que não trouxeram esses conceitos de casa. É justo que essa criança seja “vítima” daqueles que não tiveram ou não absorveram essa orientação? Então, de quem é a responsabilidade por evitar que essa e outras crianças sejam bombardeadas dia após dia durante a estada na escola? Parece-me evidente que é da instituição educacional, na pessoa dos funcionários em geral e principalmente dos professores que são aqueles que estão mais tempo com os alunos. É fácil dizer que os responsáveis são os pais do agressor e simplesmente lavar as mãos ou fazer a coisa de qualquer jeito ou como sempre se fez perdidos em questões burocráticas. Mas se os pais não fazem seu papel, a escola deve assumir sua responsabilidade de proteger os mais frágeis, simplesmente por que eles estão sob os seus cuidados, mesmo por que a comunicação escola/pais/escola nem sempre é a ideal, e por mais que queiram, nem sempre os pais percebem cedo o que está acontecendo, seja para interferir junto ao filho, seja para tomar providencias junto a escola o que, diga-se, nem sempre é fácil, afinal alguns adultos tem o péssimo hábito de esconder, mentir ou minimizar ocorrências para proteger a si e a instituição, o que dificulta a identificação e a solução de problemas, e isso talvez seja fruto de uma cultura educacional que precisa ser modificada, sob pena de perpetuarmos maus costumes ao prejudicarmos a formação dos nossos pequenos.