A colunista Ariela Doctors fala sobre a importância dos sentidos: olfato, paladar, visão, audição, tato e de como foi ruim perder parte deles ao contrair Covid-19. No final tem uma deliciosa receita de nhoque para aguçar os paladares
Ariela Doctors* Publicado em 05/05/2021, às 00h00
Nas últimas semanas não escrevi. Estava com Covid.
Perdi parte dos sentidos, mas pude entrar em contato com um lugar dentro de mim que me fez ver, ouvir e sentir a importância de dar sentido às nossas vidas.
O planeta clama por sensibilidade. A emergência do paradigma sensível.
Em meus últimos textos, vinha escrevendo, pesquisando e pensando sobre os sentidos. A formação do gosto, nosso paladar, o olfato, a visão.
Por incrível que pareça, esse microscópico e detestável vírus, pode acabar com nossos sentidos. Minha experiência começou com a falta de olfato. Parei de sentir o cheiro de lavanda que tanto gosto ao lavar o rosto pela manhã. No quarto dia, qual a minha frustração ao não sentir mais o gosto maravilhoso da sopa que meu irmão tinha preparado para mim assim que soube que eu estava doente. A falta de apetite veio com tudo. Com o nariz entupido e o rosto congestionado, foi a vez da audição perder parte das respostas. Ouvidos tampados. Ao final dos dias intermináveis, meus olhos, cansados de tanta tela, já não conseguiam ver direito. A visão estava comprometida. E aquela sensação febril transformou também o meu tato. Os músculos rígidos de medo.
Sempre tive a tendência em querer ver o lado bom das coisas e vocês podem me achar romântica e sonhadora, mas penso que a Covid-19 nos faz perder os sentidos individualmente para tentarmos buscar um sentido coletivo para a humanidade.
A dimensão do sensível emerge de um contato direto e íntimo com o corpo, a partir do qual podemos desenvolver uma nova maneira de nos relacionarmos conosco, com os outros e com o mundo. Dessa relação, caracterizada pela presença de si, surge uma nova forma de conhecimento.
Creio que para ocorrer de fato uma mudança de paradigma, faz-se necessário que individualmente entremos em contato com nosso universo interno sensível e de presença, para que depois consigamos alterar nossas relações com o outro e com o meio, transformando assim o sentido das coisas e empregando sentido às nossas vidas e a própria existência.
Enquanto estive doente e fragilizada, não pude deixar de pensar em como poderia ser transformador para pessoas como Jair Bolsonaro, sentir ou “não sentir” como estava acontecendo comigo. Será que este tipo de experiência poderia ser transformadora para este tipo de indivíduo? Percebo que para ele e para seus seguidores, falta o sentir.
Talvez, sentir-se tão frágil e impotente possa ser de fato transformador. Daí pode surgir movimento e potencialidade. A potencialidade é uma maneira de encarnar a esperança e a evolutividade, que diz respeito, não somente à condição humana, mas também à natureza humana. Ela evoca um princípio de força que impulsiona ou puxa o homem para o melhor. A potencialidade representa, então, uma função de crescimento, de superação de si, de esperança, evolutividade, movimento, força de crescimento e educabilidade que nos conduz sempre para uma melhora.
A experiência de um novo encontro consigo mesmo e com suas próprias sensações pode trazer sentido aos seus desejos e uma percepção onde o sujeito deixa de ser indiferente consigo mesmo e, consequentemente, com o outro. É criada uma relação de atenção e sensibilidade transformadora. Uma relação do sujeito com o próprio movimento interno, onde podemos expor a nossa vida ao olhar da nossa própria presença.
Essa relação transforma nossas ações em atos conscientes e pode propiciar uma evolução e uma nova ciência das relações.
A educação é sem dúvida o principal caminho para enfrentar as crises da civilização atual. Educar nossos filhos e filhas de forma transdisciplinar pode fornecer respostas para as dificuldades educacionais contemporâneas, para a apatia e para questões éticas que envolvem a vida em sociedade. A transdisciplinaridade envolve as pessoas em círculos de reflexão sobre a vida, religa as pessoas procurando torná-las abertas a sensibilidade, a emoção e a amorosidade à vida.
Promover a proposta transdisciplinar para nossas crianças, passa pela grata vivência de formar pessoas que tornarão nossa experiência no mundo mais cooperativa, amorosa e solidariamente compreendida. Diferente do que temos vivido.
A formação integral implica propiciar condições para que elas possam desenvolver a razão, a afetividade, a intuição, a imaginação, a sensibilidade e o próprio corpo. Isso significa entender que o intelecto e o espírito estão interligados, razão e emoção entrelaçadas; corpo, mente e espírito em comunhão, num movimento transdisciplinar (BARBOSA, 2005).
Estar numa cozinha, recheada de aromas, afetos, lembranças e sabores, é uma forma de educação transdisciplinar transformadora que podemos vivenciar em nossas casas, com nossos filhos e filhas.
Escolha pratos saborosos, uma “comida conforto”, para esses tempos difíceis. Para que possamos sentir e trazer sentido ao nosso viver!
Aqui vai uma receita simples e incrível de nhoque da sorte com molho de tomates frescos deliciosos.
Para que nossa sorte como humanidade mude e emerja a abundância e o sensível!
700 gramas de batatas (preferência asterix) 1 ovo grande ou 2 pequenos
1 colher de chá de sal fino
140 gramas de farinha de trigo
1 kg de tomate italiano maduro, fresco e lindo (se o tomate não estiver maduro o molho não ficará bom)
5 colheres de sopa de manteiga
1 cebola média descascada e cortada ao meio
sal a gosto
1 panela para cozinhar a batata
1 amassador de batata ou 1 garfo
1 peneira
1 cumbuca para quebrar o ovo
1 faca afiada ou 1 cortador de massa
1 pano de prato limpo
1 panela grande para cozinhar a massa do nhoque 1 panela média para cozinhar o molho de tomate 1 colher para mexer o molho
Você pode acessar outras receitas no site Comida e Cultura.
@projetocomidaecultura
*Ariela Doctors é chef, comunicadora e mãe
Assista ao programa do Papo de Mãe sobre alimentação: